Um novo estudo geológico, conduzido na Ilha de Páscoa por uma equipa internacional de investigadores, desafia as teorias correntes sobre o manto terrestre e a forma como este se move sob a crosta da Terra.
Tradicionalmente, os manuais escolares descrevem o manto como uma camada viscosa e bem misturada que se desloca ao longo das placas tectónicas, como de fosse uma correia transportadora.
Esta teoria tem sido uma pedra angular da geologia durante quase um século, mas tem sido notoriamente difícil de provar.
Agora, um estudo realizado por geólogos de Cuba, Colômbia e Holanda está a desafiar essa visão há muito defendida.
A misteriosa Ilha de Páscoa, conhecida pelas suas icónicas estátuas que ninguém sabe de onde viram e pelos seus vulcões extintos, formou-se há cerca de 2,5 milhões de anos.
Em 2019, uma equipa de geólogos de Cuba e da Colômbia viajou para a ilha para datar com precisão as suas origens vulcânicas. Para o fazer, utilizaram uma técnica chamada datação por zircão.
Os zircões são minerais que se formam quando o magma arrefece e contêm vestígios de urânio, que se decompõe em chumbo a uma taxa conhecida. Medindo o rácio entre o urânio e o chumbo nestes zircões, os cientistas podem determinar há quanto tempo os minerais se cristalizaram.
A equipa, liderada pela geóloga cubana Yamirka Rojas-Agramonte, descobriu centenas de zircões na Ilha da Páscoa. Mas, para sua surpresa, alguns destes minerais datavam de há 165 milhões de anos – muito mais antigos do que os 2,5 milhões de anos esperados.
Isto colocou aos investigadores um grande quebra-cabeças. Como poderiam existir minerais tão antigos numa ilha vulcânica relativamente jovem?
A análise química revelou que estes zircões antigos tinham a mesma composição que os formados pela atividade vulcânica atual da ilha, sugerindo que provinham da mesma fonte de magma.
No entanto, a atividade vulcânica que criou a paisagem da Ilha de Páscoa não pode ter ocorrido há 165 milhões de anos, porque a placa tectónica por baixo da ilha não é assim tão antiga.
A única explicação plausível é que estes zircões antigos tenham sido trazidos das profundezas do manto, por baixo da placa, a partir de uma atividade vulcânica muito anterior.
Os vulcões da Ilha da Páscoa pertencem a uma classe conhecida como vulcões “hotspot“, que são comuns no Oceano Pacífico. Estes vulcões formam-se quando plumas de rocha quente sobem lentamente das profundezas do manto terrestre e derretem quando se aproximam da crosta, criando atividade vulcânica.
As ilhas Havaianas, por exemplo, são o resultado deste processo.
Durante décadas, os cientistas consideraram que estas plumas mantélicas permanecem estacionárias enquanto as placas tectónicas se deslocam sobre elas, formando cadeias de vulcões. Cada vez que a placa se desloca, forma-se um novo vulcão sobre a pluma estacionária.
Mas a descoberta de zircões tão antigos coloca um novo desafio a esta ideia. Será que a pluma mantélica por baixo da ilha está ativa há 165 milhões de anos?
Para investigar o enigma, Rojas-Agramonte juntou-se ao geólogo holandês Douwe van Hinsbergen, especialista na reconstrução de placas tectónicas antigas.
A sua análise sugeriu que existia um enorme planalto vulcânico no local da atual Ilha da Páscoa há 165 milhões de anos, mas que desapareceu sob a Península Antárctica há cerca de 110 milhões de anos devido à subducção tectónica.
Isto levantou outra questão: se o manto por baixo da Ilha da Páscoa esteve ativo durante tanto tempo, porque é que os antigos minerais de zircão não foram arrastados pelas correntes mantélicas circundantes?
O modelo clássico de correia transportadora preveria que estes minerais deveriam ter sido arrastados para longe da sua localização atual. No entanto, o facto de terem sido preservados na Ilha de Páscoa indica que o manto que envolve a pluma deve ser muito mais estacionário do que se pensava anteriormente.
A descoberta sugere que o manto tem um comportamento bastante diferente do que os geólogos há muito supunham, explicam os investigadores em comunicado da Universidade de Utrecht.
Em vez de fluir constantemente com as placas tectónicas, o manto em torno das plumas de hotspot pode permanecer relativamente imóvel, permitindo a persistência de materiais antigos.
Esta revelação poderá forçar uma reavaliação significativa da forma como o manto terrestre funciona e se move, alterando potencialmente as teorias geológicas fundamentais sobre a tectónica de placas e a dinâmica do manto.
A descoberta foi apresentada num artigo publicado no fim de novembro na revista Authorea.
Outra hipótese é o modelo de datação por zircão não se aplicar sempre nos mesmos moldes de extrapolação, havendo outras variáveis ainda desconhecidas.