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O mundo da IA está obcecado com um paradoxo de 1865 – que pode mexer com o seu emprego

Universidade de Manchester / Wikimedia

William Stanley Jevons, autor do paradoxo de Jevons

“O paradoxo de Jevons ataca novamente!”, leu-se sobre a DeepSeek. Mas que paradoxo é esse de 1865 e que andou quase sempre esquecido?

A DeepSeek, empresa chinesa criada há pouco tempo, abalou o mundo da Inteligência Artificial (IA) quando lançou o seu chatbot R1, equivalente ao ChatGPT mas muito mais barato.

Quando se apercebeu do impacto da DeepSeek, o director-executivo da Microsoft escreveu no X: “O paradoxo de Jevons ataca novamente!”.

“À medida que IA se torna mais eficiente e acessível, a sua utilização vai dar um salto, tornando-a em algo do qual simplesmente não conseguimos prescindir”, completou o responsável da Microsoft.

Mas muita gente ficou presa na primeira parte: o paradoxo de Jevons. O que é isso?

Contas ao carvão

É um conceito económico com cerca de 160 anos. E a sua origem está relacionada com o carvão: na altura, os altos responsáveis ingleses estavam preocupados com o possível fim do carvão, peça central na Revolução Industrial.

Foi nesse contexto que um jovem de pouco mais de 20 anos, William Stanley Jevons, apareceu com uma novidade: aplicar matemática e estatísticas em economia.

A Questão do Carvão: Um Inquérito sobre o Progresso da Nação, e a Provável Exaustão das Nossas Minas de Carvão – é o título do seu livro que agitou pensamentos em 1865.

A grande maioria dos ingleses pensava na altura que, com melhores tecnologias, máquinas, com avanços tecnológicos, o consumo de carvão seria mais eficaz e controlado, seria menor. Ou seja, novas tecnologias iriam adiar ou mesmo cancelar o fim do carvão.

William Stanley Jevons apresentou a ideia oposta, nesse livro: uma maior eficiência das tecnologias movidas a carvão levaria — paradoxalmente — a um maior consumo de carvão; e não menos.

A sua ideia: com maior eficiência, obtém-se mais por menos. Naquele caso, mais energia de cada pedaço de carvão. E isso reduz de facto o custo da energia do carvão. Com melhores tecnologias, pode-se queimar o forno ou fazer funcionar as máquinas da fábrica por mais tempo e de forma mais barata. Preços mais baixos significam (muito) maior procura.

Ou seja, na sua visão macro, Jevons sugeriu que um uso mais eficiente do carvão estimularia o crescimento económico, aumentando o consumo de carvão em toda a economia.

Ou seja: maior eficiência aumenta o consumo, não o diminui. Este é o tal paradoxo de Jevons.

Aplicado na IA…e no emprego

E agora, depois de ter ficado esquecido ao longo de tantas décadas, o paradoxo de Jevons está de volta por causa da IA – que está “obcecada” com essa tese, resume a National Public Radio.

Muita gente começa a acreditar que, à medida que a IA se torna mais eficiente e mais barata, a procura por IA vai explodir. A concorrência pode ser feroz, os custos de produção podem diminuir muito, mas os lucros não vão parar.

Mas o paradoxo de Jevons também pode ser relevante no domínio da IA por outra razão: para percebermos o que pode acontecer a alguns empregos se a IA os revolucionasse e tornasse os trabalhadores mais produtivos.

Ou seja, à medida que a IA torna mais eficientes determinados empregos, isso pode aumentar a procura por trabalho humano – e não originar despedimentos em massa.

Mas, para isso, há três pontos essenciais que têm de ser cumpridos: os trabalhadores tornam-se mais produtivos graças à IA (pode acontecer o contrário – uma IA incrível nem precisar de humanos); maior produtividade dos trabalhadores traduz-se em preços mais baixos; por fim, a procura do consumidor precisa de explodir em resposta a preços mais baixos.

Num cenário ideal, o emprego cresce e os salários aumentam.

Mas poderá acontecer o contrário: ou o patrão não divide os lucros, ou a IA realmente substitui a pessoa, ou torna o trabalho mais fácil de fazer e mais pessoas puderem fazê-lo… Aí os salários podem baixar e pode haver despedimentos em massa. Depende.

De volta a 1865…

…no seu livro, Jevons também escreveu sobre a aplicação do seu paradoxo no mercado de trabalho.

O então jovem economista defendia que novas máquinas iriam, num primeiro momento, aumentar a produtividade dos trabalhadores, mas depois deixar outros desempregados temporariamente.

“No entanto, a procura aumenta de tal forma pelos produtos que ficaram mais baratos, que a esfera de emprego acaba por ficar grandemente ampliada. Muitas vezes, os próprios trabalhadores cujo trabalho é economizado descobrem que o seu trabalho mais eficiente é mais requisitado do que antes”, lê-se num capítulo do livro – um livro que não previu um ponto essencial: a Inglaterra iria encontrar outras fontes de energia para alimentar a sua indústria.

ZAP //

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