Hubble determina massa de buraco negro solitário que vagueia pela Via Láctea

ESA/Hubble, DSS, Nick Risinger (skysurvey.org), N. Bartmann

Impressão de artista de um buraco negro à deriva pela nossa Galáxia, a Via Láctea.

Os astrónomos estimam que 100 milhões de buracos negros vagueiam entre as estrelas da nossa Galáxia, a Via Láctea, mas nunca identificaram de forma conclusiva um buraco negro isolado.

Após seis anos de meticulosas observações, o Telescópio Espacial Hubble da NASA/ESA forneceu, pela primeira vez, evidências diretas de um buraco negro isolado a vaguear pelo espaço interestelar através de uma medição precisa da massa do objeto fantasmagórico.

Até agora, todas as massas de buracos negros têm sido inferidas estatisticamente ou através de interações em sistemas binários ou nos núcleos de galáxias.

Os buracos negros de massa estelar são normalmente encontrados com estrelas companheiras, o que torna este invulgar.

O buraco negro errante recentemente detetado encontra-se a cerca de 5000 anos-luz de distância, no braço espiral Carina-Sagitário da nossa Galáxia.

No entanto, a sua descoberta permite aos astrónomos estimar que o buraco negro de massa estelar isolado mais próximo da Terra possa estar a cerca de 80 anos-luz de distância. A estrela mais próxima do nosso Sistema Solar, Proxima Centauri, está a pouco mais de 4 anos-luz de distância.

Os buracos negros que vagueiam a nossa Galáxia nascem a partir de estrelas raras e monstruosas (que correspondem a menos de um-milésimo da população estelar da Galáxia) que são pelo menos 20 vezes mais massivas do que o nosso Sol.

Estas estrelas explodem como supernovas e o núcleo remanescente é esmagado pela gravidade num buraco negro.

Dado que a detonação não é perfeitamente simétrica, o buraco negro pode “levar um pontapé” e ser impelido para a Galáxia como uma bola de canhão.

Os telescópios não conseguem fotografar um buraco negro errático porque não emite qualquer luz. No entanto, um buraco negro distorce o espaço, que depois desvia e amplifica a luz estelar de qualquer coisa que momentaneamente se alinhe exatamente atrás dele.

Os telescópios terrestres, que monitorizam o brilho de milhões de estrelas nos ricos campos estelares em direção ao bojo central da nossa Via Láctea, procuram um súbito aumento de brilho de uma delas quando um objeto massivo passa entre nós e a estrela. Depois o Hubble acompanha os acontecimentos mais interessantes.

Duas equipas utilizaram dados do Hubble nas suas investigações – uma liderada por Kailash Sahu do STScI (Space Telescope Science Institute) em Baltimore, no estado norte-americano de Maryland; e a outra por Casey Lam da Universidade da Califórnia, Berkeley.

Os resultados das equipas diferem ligeiramente, mas ambos sugerem a presença de um objeto compacto.

A deformação do espaço devido à gravidade de um objeto em primeiro plano que passa em frente de uma estrela localizada muito atrás dele irá momentaneamente curvar e ampliar a luz da estrela de fundo à medida que este passa em frente dela.

Os astrónomos usam o fenómeno, chamado microlente gravitacional, para estudar estrelas e exoplanetas nos cerca de 30.000 eventos vistos até agora na nossa Galáxia.

// ESA/Hubble (comunicado)
// NASA (comunicado)
// Hubblesite (comunicado)
// Universidade da Califórnia, Berkeley (comunicado)   
// Universidade de St. Andrews (comunicado)
// Artigo científico de Sahu et al. (arXiv.org)
// Artigo científico de Lam et al. (arXiv.org)

A assinatura de um buraco negro em primeiro plano destaca-se como única entre outros eventos de microlente.

A gravidade muito intensa do buraco negro prolonga a duração do evento de lente gravitacional por mais de 200 dias.

Além disso, se o objeto interveniente fosse ao invés uma estrela em primeiro plano, isso provocaria uma mudança transitória de cor na luz estelar medida, porque a luz da estrela em primeiro plano e da estrela de fundo ficariam momentaneamente misturadas. Mas não foi vista nenhuma mudança de cor no evento do buraco negro.

De seguida, o Hubble foi utilizado para medir a quantidade de desvio da imagem da estrela de fundo pelo buraco negro. O Hubble é capaz da extraordinária precisão necessária para tais medições.

A imagem da estrela foi desviada da sua posição normal por cerca de um milésimo de segundo de arco. Isto equivale a medir a altura de um humano adulto deitado na superfície da Lua a partir da Terra.

Esta técnica de microlente forneceu informações sobre a massa, distância e velocidade do buraco negro.

A quantidade de deflexão pela intensa distorção do espaço do buraco negro permitiu à equipa de Sahu estimar que tem cerca de sete vezes a massa do Sol.

A equipa de Lam relata um intervalo de massa ligeiramente inferior, o que significa que o objeto pode ser ou uma estrela de neutrões ou um buraco negro.

Eles estimam que a massa do objeto compacto e invisível tem entre 1,6 e 4,4 vezes a massa do Sol. No limite superior deste intervalo, o objeto seria um buraco negro; no limite inferior, seria uma estrela de neutrões.

“Por muito que gostássemos de dizer que se trata definitivamente de um buraco negro, devemos reportar todas as soluções permitidas. Isto inclui tanto buracos negros de massa baixa como possivelmente até uma estrela de neutrões”, disse Jessica Lu da equipa de Berkeley.

“O que quer que seja, o objeto é o primeiro remanescente estelar escuro descoberto a vaguear pela Galáxia, sem estar acompanhado por outra estrela”, acrescentou Lam.

Esta foi uma medição particularmente difícil para a equipa porque existe outra estrela brilhante que está extremamente próxima em termos de separação angular da estrela de origem.

“Portanto, é como tentar medir o pequeno movimento de um pirilampo ao lado de uma lâmpada brilhante,” disse Sahu. “Tivemos de subtrair meticulosamente a luz da estrela brilhante próxima para medir precisamente a deflexão da fonte fraca.”

A equipa de Sahi estima que o buraco negro isolado está a viajar através da Galáxia a 160.000 km/h (depressa o suficiente para viajar da Terra à Lua em menos de três horas). É mais rápido do que a maioria das outras estrelas vizinhas naquela região da nossa Galáxia.

“A microlente astrométrica é conceptualmente simples, mas observacionalmente muito complexa,” disse Sahu. “A técnica de microlente é a única disponível para identificar buracos negros isolados”.

Quando o buraco negro passou em frente de uma estrela de fundo localizada a 19.000 anos-luz de distância no bojo da Via Láctea, a luz estelar que vinha em direção à Terra foi ampliada durante 270 dias à medida que o buraco negro passava.

No entanto, foram necessários vários anos de observações do Hubble para seguir como a posição da estrela de fundo parecia ser defletida pela curvatura da luz pelo buraco negro em primeiro plano.

A existência de buracos negros de massa estelar é conhecida desde o início da década de 1970, mas todas as suas medições de massa – até agora – têm sido feitas em sistemas estelares binários.

O gás da estrela companheira cai no buraco negro e é aquecido a temperaturas tão elevadas que emite raios-X. Cerca de duas dúzias de buracos negros tiveram as suas massas medidas em binários de raios-X através do efeito gravitacional que exercem nas companheiras.

As estimativas de massa variam de 5 a 20 massas solares. Os buracos negros detetados noutras galáxias graças às ondas gravitacionais libertadas a partir de fusões entre buracos negros e objetos companheiros chegaram a atingir 90 massas solares.

“As deteções de buracos negros isolados proporcionarão novos conhecimentos sobre a população destes objetos na Via Láctea,” disse Sahu.

O astrónomo espera que o seu programa venha a revelar mais buracos negros isolados dentro da nossa Galáxia. Mas é como procurar uma agulha num palheiro. A previsão é que apenas um em poucas centenas de eventos de microlente sejam provocados por buracos negros isolados.

No seu artigo de 1916 sobre a relatividade geral, Albert Einstein previu que a sua teoria poderia ser testada observando o desvio na posição aparente de uma estrela de fundo provocado pela gravidade do Sol.

Isto foi testado por uma colaboração liderada pelos astrónomos Arthur Eddington e Frank Dyson durante um eclipse solar no dia 29 de maio de 1919.

Eddington e colegas mediram um desvio da posição de uma estrela de fundo de 2 segundos de arco, validando as teorias de Einstein.

Estes cientistas dificilmente poderiam imaginar que, mais de um século depois, esta mesma técnica seria utilizada – com um melhoramento então inimaginável de mil vezes em termos de precisão – para procurar buracos negros espalhados pela nossa Galáxia.

// CCVAlg

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