Há 100 anos, um psiquiatra curou sífilis com malária (e venceu um prémio Nobel)

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Wagner-Jauregg (centro-direita de fato preto) observa uma transfusão de um paciente com malária para um paciente de sífilis (1934)

Corria o ano de 1927 e o psiquiatra austríaco Julius Wagner-Jauregg vencia o prémio Nobel da Medicina após curar, com sucesso, pacientes com sífilis em fase avançada, infetando-os com outra doença… a malária.

Foi depois de tropeçar no trabalho de 1876 do psiquiatra Alexander Samoilovich Rosenblum — que passava por infetar doenças causadoras de febre em pacientes com episódios psicóticos e (surpreendentemente) curou metade dos doentes — que o psiquiatra austríaco Julius Wagner-Jauregg começou um estudo prático sobre o assunto, depois de três décadas a avaliá-lo.

Para o fazer, o médico de sessenta anos concentrar-se-ia na doença que estava na moda em 1917 — a sífilis, na altura considerada incurável. A sífilis tinha apenas um medicamento no mercado, Salvarsan, que não era de todo eficaz.

A sífilis é uma infeção sexualmente transmissível causada pela subespécie pallidum da bactéria Treponema pallidum. Em fases tardias, a infeção pode chegar ao cérebro, provocando deterioração mental, alterações de personalidade, alucinações e demência que pode persistir por um período de três a cinco anos antes de cumprir o seu objetivo — matar.

5 a 10% das admissões em alas de psiquiatria em 1945 deviam-se, segundo o Big Think, à sífilis.

Matar o bicho com mais bicho

Recorrendo ao sangue de indivíduos infetados com malária, Julius Wagner-Jauregg decidiu inseri-lo nos pacientes com sífilis em fase avançada, infetando-os com uma nova — mas não tão mortal — doença, muitas vezes sem o seu consentimento.

A antevisão de Jauregg estava certa: a malária provocava febres tão altas que matava as bactérias causadoras da sífilis.

Uma vez no corpo do paciente com sífilis, a malária era tratada com quinina — exceto nos casos em que os pacientes acabavam por falecer, muitos graças à sífilis, poucos graças à malária que piorou a sua condição.

No entanto, 25% dos pacientes recuperaram e a sífilis em fase tardia deixou de ser vista como uma sentença de morte.

A polémica prática enquadra-se ainda hoje, para alguns, no grupo das mais desaprovadas pesquisas a vencer o infame prémio.

O tratamento acabaria por se espalhar e uma revisão concreta da mesma acabou por ser feita, em 1926, que mostrou que o tratamento resultava em remissão total de sífilis em 27,5% dos casos e remissão parcial em 26,5%. 46% dos casos resultavam em nenhuma alteração do estado da doença ou em morte.

Como resultado dos números revolucionários, o psiquiatra acabaria por vencer o prémio Nobel da Medicina no ano de 1927.

A penicilina chegaria mais tarde, tornando obsoleto o tratamento encontrado por Rosenblum e Jauregg.

Tomás Guimarães, ZAP //

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