A escalada de preços do pão em África tem levado a que as escolas cortem nos programas de refeições gratuitas, o que tem aumentado o abandono escolar e os casamentos forçados.
A dependência que muitos países africanos têm do trigo ucraniano está a pôr em causa a segurança alimentar de milhões de crianças. Um exemplo disso é o programa de refeições gratuitas nas escolas da Nigéria, que arrancou em 2016 e está agora sob ameaça devido ao conflito na Europa e aos bloqueios das tropas russas às operações nos portos ucranianos.
A renovação do acordo assinado em Julho que permite as exportações de trigo a partir da Ucrânia está marcada para 18 de Maio, mas já burburinhos que indicam que a Rússia pode não querer manter a solução, escreve o Coda Story.
Sergey Lavrov, Ministro dos Negócios Estrangeiros de Moscovo, já indicou que o acordo não beneficia a Rússia e refere que, a não ser que o país possa exportar trigo e fertilizantes sem bloqueios, o acordo não será renovado, culpando os embargos dos países ocidentes pelo impasse. O Kremlin exige ainda que o Banco Agrícola da Rússia possa voltar ao sistema bancário global.
Mais de 27 milhões de toneladas de cereais foram exportadas através do acordo e 45% do total destinou-se a países em desenvolvimento. A escalada de inflação causada pela guerra está a agravar ainda mais as dificuldades económicas em muitos destes países, que ainda estão a recuperar do impacto da pandemia.
Na Nigéria, por exemplo, em Dezembro de 2021, uma carcaça de pão grande custava 1,43 dólares. Em Abril de 2022, o preço já era 2,02 dólares. As famílias, no entanto, ganham, em média, menos de 300 dólares por mês, sendo os programas públicos de refeições escolares gratuitas essenciais para garantir que milhões de crianças não passavam fome. Mas os programas também estão a ser cortados devido à subida dos custos, o que já se está a causar uma diminuição nas matrículas nas escolas.
Na Etiópia e na Somália, os desafios causados pela inflação e a seca têm levado a que as crianças, principalmente as meninas, estejam a sair da escola em números “alarmantes”, de acordo com a UNICEF.
As meninas e raparigas que não estão na escola têm uma probabilidade muito mais alta de acabar em casamentos forçados e, frequentemente, vítimas de violência doméstica e abusos sexuais, devido às dificuldades financeiras das famílias. Quase 24 milhões de meninas nigerianas casaram antes de fazerem 18 anos.
África está assim a tornar um palco de batalha informal entre a Ucrânia e a Rússia, que lutam pela influência no continente. Em Janeiro, Mykola Solskyi, o Ministro da Agricultura da Ucrânia, anunciou os planos para criar centros para receber cereais e trigo na Nigéria e em países vizinhos, procurando reforçar as relações bilaterais com África.
Por sua vez, a Rússia tem uma relação próxima com várias nações africanas, com algumas até a votar contra as resoluções das Nações Unidas de condenação ao conflito na Ucrânia. Putin também anunciou em Março que, caso a Rússia não renove o acordo para a exportação de cereais, Moscovo vai encarregar-se de fornecer África com o trigo de que precisam sem custos adicionais.