Etienne Littlefair

Uma equipa de investigadores está a desenvolver girinos famintos que nunca crescem, para combater uma das espécies mais problemáticas da Austrália — que tinha sido introduzida no país para controlar outra das espécies mais problemáticas do país…
Cientistas australianos modificaram geneticamente ovos de sapos-de-cana invasores para criar girinos “Peter Pan” que nunca crescem — nunca se metamorfoseiam em adultos.
Os girinos de sapo-de-cana já têm apetite por ovos da sua própria espécie, mas estas versões modificadas podem comer várias vezes mais ovos, tornando-os uma potencial solução para controlar o número destes anfíbios destrutivos.
Os sapos-de-cana foram introduzidos propositadamente na Austrália em 1935 para controlar escaravelhos que danificavam as plantações de cana-de-açúcar.
Mas esse plano saiu pela culatra, e desde então tornaram-se um problema ainda maior, explica a Smithsonian Magazine. Com muito poucos predadores, os sapos espalharam-se rapidamente pelo norte da Austrália.
Atualmente, causam estragos no ambiente local, competindo com espécies nativas devido aos seus enormes apetites. Estima-se que existam 200 milhões de sapos-de-cana na região, onde o seu veneno mata marsupiais e répteis nativos que tentam comê-los.
Um único sapo-de-cana pode pôr mais de 30.000 ovos de uma só vez, o que torna os métodos de controlo manual insuficientes para conter o crescimento da população. Em vez disso, os biólogos estão a recorrer à edição genética.
Rick Shine, biólogo evolutivo da Universidade Macquarie, e a sua equipa têm estado a criar “girinos Peter Pan”. Para tal, os cientistas removeram um gene que controla a produção de tiroxina, uma hormona que regula a metamorfose dos anfíbios.
“Como os girinos de sapo-de-cana canibalizam os ovos de sapo-de-cana, seriam excelentes controladores de sapos-de-cana”, explicou em novembro o investigador à Australian Geographic. “Eles também não comem muito os ovos de rãs nativas e quase não têm veneno até se metamorfosearem.”
Os girinos do sapo da cana já são canibais, mas estas versões geneticamente modificadas são ainda maiores e têm mais fome de ovos.
“Para nossa satisfação, não são apenas canibais, são super-canibais“, escrevem os investigadores num artigo no Cane Toads In Oz. “Podemos usar sapos de cana para se controlarem a si próprios”.
Embora o trabalho ainda tenha de ser revisto por pares, os primeiros ensaios da equipa sugerem que os girinos Peter Pan podem comer até 4 vezes mais ovos do que os girinos de sapo de cana normais.
Etienne Littlefair

Girino Peter Pan a comer ovos de sapo-de-cana acabados de pôr
Até agora, os girinos Peter Pan só foram testados em ambientes controlados na Austrália Ocidental e no Território do Norte. Espera-se que os primeiros ensaios no terreno comecem ainda este ano, após uma avaliação dos riscos.
Os investigadores terão de determinar se os girinos geneticamente modificados podem afetar as aves, os peixes e as tartarugas nativas.
“Será necessária uma investigação adequada para demonstrar que não há possibilidade de consequências negativas para a vida selvagem nativa antes de poderem ser consideradas quaisquer autorizações para a libertação na natureza”, afirma um porta-voz do Departamento de Terras, Planeamento e Ambiente do Território do Norte à ABC.
“Antes de libertarmos os Peter Pans na natureza, iremos verificar a sua eficácia no controlo dos sapos e procurar detetar qualquer impacto colateral na vida selvagem nativa”, asseguram os investigadores.
“Décadas de estudos mostraram que os girinos normais não têm quaisquer efeitos deste tipo, mas estamos a verificar isso também para os Peter Pans. Por exemplo, iremos medir o seu teor de veneno e fazer ensaios em grandes espaços exteriores com peixes, tartarugas e insetos nativos — bem como Peter Pans”, detalham os cientistas no Cane Toads in Oz.
Porquê ser tão cuidadoso? “Porque o exemplo dos sapos de cana trazidos para a Austrália para controlar as pragas de insetos é um lembrete constante de uma potencial catástrofe. As coisas podem correr mal se não se examinarem cuidadosamente as consequências prováveis das nossas ações”.
“Para evitar o erro cometido pelos cientistas da cana-de-açúcar na década de 1930, estamos a avançar lenta e cautelosamente para desenvolver uma nova abordagem eficaz e de baixo risco para o controlo do sapo da cana”, salientam os cientistas
Se assim não for, poderemos um dia aqui estar a dar a notícia de que cientistas australianos criaram alguma nova espécie para controlar os girinos Peter Pan que foram criados para controlar os sapos-de-cana que foram introduzidos para controlar os escaravelhos…