Gaia revela o destino do nosso Sol

Todos desejamos, por vezes, ver o futuro. Agora, graças aos dados mais recentes da missão Gaia da ESA, os astrónomos podem fazer exatamente isso para o Sol.

Ao identificar com precisão estrelas de massa e composição semelhantes, os astrónomos podem ver como o nosso Sol vai evoluir no futuro. E este trabalho vai muito além de um pouco de clarividência astrofísica.

A terceira grande divulgação de dados do Gaia (DR3, “data release 3“) foi recentemente tornada pública pela ESA.

Um dos principais produtos a sair desta publicação foi uma base de dados das propriedades intrínsecas de centenas de milhões de estrelas. Estes parâmetros incluem quão quentes são, quão grandes são e quais as massas que possuem.

O Gaia faz leituras excecionalmente precisas do brilho aparente de uma estrela, tal como visto da Terra, e da sua cor. A transformação destas características observacionais básicas nas propriedades intrínsecas de uma estrela é um trabalho meticuloso.

Orlagh Creevey, do Observatório Côte d’Azur, França, e colaboradores da Unidade de Coordenação 8 do Gaia, são responsáveis pela extração de tais parâmetros astrofísicos das observações do Gaia.

Ao fazê-lo, a equipa está a acrescentar ao trabalho pioneiro dos astrónomos que trabalharam no HCO (Harvard College Observatory), no estado norte-americano de Massachusetts, durante o final do século XIX e início do século XX.

Naquela altura, os esforços dos astrónomos centravam-se na classificação do aparecimento de “linhas espectrais“. Estas são linhas escuras que aparecem no arco-íris de cores produzidas quando a luz de uma estrela é dividida com um prisma.

Annie Jump Cannon concebeu uma sequência de classificação espectral que ordenou as estrelas de acordo com a força destas linhas espectrais. Esta ordem foi posteriormente descoberta como estando diretamente relacionada com a temperatura das estrelas.

Antonia Maury fez uma classificação separada com base na largura de certas linhas espectrais. Mais tarde, descobriu-se que esta se relacionava com a luminosidade e a idade de uma estrela.

A correlação destas duas propriedades permite que cada estrela no Universo seja traçada num único diagrama. Conhecido como diagrama de H-R (Hertzsprung-Russell), tornou-se uma das pedras angulares da astrofísica.

Concebido independentemente em 1911 por Ejnar Hertzsprung e em 1913 por Henry Norris Russell, um diagrama de H-R traça a luminosidade intrínseca de uma estrela contra a sua temperatura superficial efetiva. Ao fazê-lo, revela como as estrelas evoluem ao longo dos seus grandes ciclos de vida.

Embora a massa da estrela mude relativamente pouco ao longo da sua vida, a temperatura e o tamanho da estrela variam muito à medida que envelhece. Estas alterações são impulsionadas pelo tipo de reações de fusão nuclear que estão a ocorrer dentro da estrela na altura.

Com uma idade de cerca de 4,57 mil milhões de anos, o nosso Sol está atualmente na sua confortável meia-idade, fundindo hidrogénio em hélio e sendo geralmente bastante estável; calmo, até. Nem sempre será esse o caso.

À medida que o combustível hidrogénio se esgota no seu núcleo, e que as mudanças começam no processo de fusão, é esperado que inche numa estrela gigante vermelha, baixando a sua temperatura de superfície no processo.

Exatamente como isto acontece depende de quanta massa uma estrela contém e da sua composição química. É aqui que entra a DR3.

Creevey e colegas vasculharam os dados à procura das observações estelares mais precisas que a missão podia oferecer. “Queríamos ter uma amostra realmente pura de estrelas com medições de alta precisão”, diz a astrónoma.

Concentraram os seus esforços em estrelas que têm temperaturas de superfície entre 3000K e 10000K, porque estas são as estrelas com a vida mais longa na Galáxia e, portanto, podem revelar a história da Via Láctea.

São também candidatas promissoras à descoberta de exoplanetas, porque são basicamente parecidas ao Sol, que tem uma temperatura à superfície de 6000K.

Em seguida, Orlagh e colegas filtraram a amostra para mostrar apenas aquelas estrelas que tinham a mesma massa e composição química que o Sol.

Uma vez que permitiram idades diferentes, as estrelas que selecionaram acabaram por traçar uma linha através do diagrama de H-R que representa a evolução do nosso Sol, desde o seu passado até ao seu futuro. A linha revelou a forma como a nossa estrela irá variar a sua temperatura e luminosidade à medida que envelhece.

A partir deste trabalho, torna-se claro que o nosso Sol atingirá uma temperatura máxima aproximadamente aos 8 mil milhões de anos, e que depois irá arrefecer e aumentar de tamanho, tornando-se numa estrela gigante vermelha por volta dos 10-11 mil milhões de anos.

O Sol chegará ao fim da sua vida após esta fase, quando eventualmente se tornar numa ténue anã branca.

Encontrar estrelas semelhantes ao Sol é essencial para compreender como encaixamos no Universo mais vasto. “Se não compreendermos o nosso próprio Sol – e há muitas coisas que não sabemos sobre ele – como podemos esperar compreender todas as outras estrelas que constituem a nossa maravilhosa Galáxia?”, comenta Creevey.

É uma fonte de alguma ironia que o Sol seja a nossa estrela mais próxima e mais estudada, mas a sua proximidade obriga-nos a estudá-la com telescópios e instrumentos completamente diferentes dos que usamos para olhar para o resto das estrelas. Isto porque o Sol é muito mais brilhante do que as outras estrelas.

Ao identificar estrelas semelhantes ao Sol, mas desta vez com idades semelhantes, podemos colmatar esta lacuna observacional.

Para identificar estas “análogas solares” nos dados do Gaia, Creevey e colegas procuraram estrelas com temperaturas, gravidades à superfície, composições, massas e raios que são todos semelhantes ao Sol atual. Encontraram 5863 estrelas que correspondiam aos seus critérios.

Agora que o Gaia produziu a lista de alvos, outros podem começar a investigá-los com seriedade. Algumas das questões a que querem respostas incluem: todas as análogas solares têm sistemas planetários semelhantes ao nosso? Será que todas as análogas solares giram a um ritmo semelhante ao do Sol?

Com a DR3, a instrumentação extremamente precisa do Gaia permitiu que os parâmetros estelares de mais estrelas fossem determinados com mais precisão do que nunca. E essa exatidão irá ondular para muitos outros estudos.

Por exemplo, conhecer estrelas com mais exatidão pode ajudar ao estudo das galáxias, cuja luz é uma amálgama de milhares de milhões de estrelas individuais.

“A missão Gaia tocou em todos os ramos da astrofísica“, diz Creevey.

Assim, quase certamente, não será apenas o passado e o futuro do Sol que este trabalho vai ajudar a iluminar.

// CCVAlg

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