Um novo estudo analisou dados médicos de pacientes que eram fumadores na altura em que sofreram lesões em regiões específicas do cérebro, constatando que algumas levaram ao desaparecimento do vício.
No estudo, publicado recentemente na Nature Medicine, os investigadores relataram que essas lesões ocorreram em diferentes partes do cérebro, mas que todas se caracterizavam por um padrão específico de conetividade que estava associado à redução de outros tipos de dependência.
As perturbações por uso de substâncias são uma das principais causas de morte nos jovens e são consideradas uma crise de saúde pública nos Estados Unidos (EUA). Afetam entre 8 a 10% da população adulta e os tratamentos existentes são inadequados e ineficazes.
Este facto conduz à necessidade de novas terapias. Uma das alternativas consideradas é a modulação das regiões cerebrais associadas ao vício.
“Comecei a investigar as perturbações da dependência há mais de uma década, quando estava a fazer o meu doutoramento”, disse Juho Joutsa, professor na Universidade de Turku, um dos autores do estudo.
“Incomoda-me que, embora saibamos tanto sobre os mecanismos neurobiológicos da dependência, não tenhamos sido capazes de descobrir como tratar estas perturbações ou mesmo que áreas do cérebro visar com o tratamento. Com esta nova abordagem, fomos finalmente capazes de abordar essa questão”, indicou.
As novas abordagens terapêuticas incluem vários tipos de estimulação cerebral e intervenções cirúrgicas em regiões-alvo do cérebro. Contudo, para intervenções deste género, as região cerebrais responsáveis pela dependência têm que ser conhecidas com precisão. E, para já, não é esse o caso.
Um caminho possível reside no estudo de pacientes com lesões cerebrais já existentes e identificação daqueles nos quais a dependência desapareceu após esses incidentes.
Até agora, os avanços na tecnologia possibilitaram ligar as lesões a diferentes regiões cerebrais e efetuar, assim, mudanças na conectividade cerebral, utilizando um mapa designado por “human connectome”.
Esta tecnologia foi utilizada por Joutsa e pelos colegas para identificar lesões cerebrais que resultaram no desaparecimento do vício. Examinaram neuroimagens e outros dados de dois grupos de pacientes, um da Universidade de Iowa e outro da Universidade de Rochester, para identificar os fumadores ativos na altura da lesão cerebral, mas que deixaram de fumar logo após o incidente.
Destes, incluíram no estudo apenas os pacientes cuja localização do dano cerebral era clara.
Os investigadores traçaram a localização das lesões e transferiram informações sobre esses locais para um atlas do cérebro humano. De seguida, usaram um método denominado mapeamento da rede de lesões (LNM) para investigar a conetividade funcional entre a localização de cada lesão e todos os outros pontos do cérebro.
Para verificar a validade dos seus resultados, utilizaram dois mapas de conetividade cerebral – um com 126 fumadores atuais e outro com 1.000 voluntários saudáveis.
Os investigadores criaram um modelo matemático para relacionar a conetividade cerebral no ponto da lesão com o resultado – deixar ou não de fumar. Reconstruíram os danos no trato de matéria branca do cérebro com base na localização da lesão e estimaram as associações entre a conetividade cerebral funcional e estrutural.
“O nosso estudo identificou a rede cerebral que gere a remissão da dependência, fornecendo alvos diretamente testáveis para futuros ensaios de tratamento”, disse Joutsa à PsyPost. “Esperamos que esta linha conduza a novas terapias orientadas para a toxicodependência”.
Os resultados mostraram que as lesões cerebrais que perturbavam o vício de fumar ocorreram em muitas partes diferentes do cérebro, mas todas foram caraterizadas por um padrão específico de conectividade.
“Esse padrão envolve conetividade positiva ao córtex dorsal cingulado, córtex pré-frontal lateral e ínsula e conetividade negativa ao córtex pré-frontal medial e temporal”, escreveram os investigadores. Esse circuito de ligação neural foi também associado à redução do risco de dependência de álcool e outras dependências.
“Os locais que melhor corresponderam ao perfil de conetividade para a remissão da dependência foram o giro paracedular, o opérculo frontal esquerdo e o córtex fronto-polar medial”, indicaram os investigadores.
Este estudo, continuaram, dá um importante contributo para novas de tratamento. Alertaram, contudo, que este incidiu sobre o tabagismo, podendo não se aplicar à dependência de outras substâncias.
“Agora que identificámos a rede, ainda precisamos descobrir qual é a melhor forma de a alterar e também validar a eficácia de um tratamento direcionado”, algo que deverá ser realizado num “estudo controlado”, referiu Joutsa.