Quis comprar um carro novo, e estava contente com a escolha. Até ao dia em que a polícia lhe bateu à porta. Não fez nada de errado, mas ficou sem o carro e com uma dívida para pagar.
Tiago Castro tinha 23 anos, é natural da Calda das Taipas, jogava no Vitória de Setúbal e tinha um automóvel BMW série 1. Decidiu trocá-lo por um Mercedes em segunda mão em 2019.
Custava 35 mil euros, ou 27 mil euros caso entregasse o carro que tinha, o BMW, que tinha um valor comercial de 8 mil euros. Para adquirir o carro, o jovem pediu um crédito que seria pago em 3 anos, conta a CNN.
“O carro era muito bom. Eu por mês fazia 5/6 viagens Setúbal-Guimarães, Guimarães-Setúbal e o carro proporcionava-me uma viagem muito mais confortável e muito mais fácil”, conta. Estava feliz com a sua compra — até ao dia 29 de dezembro de 2020.
“Nesse dia, acordo com o meu pai a chamar-me no quarto, nunca mais me esqueço, a dizer ‘Tiago, Tiago, está a Polícia lá fora quer falar contigo‘ e eu fiquei assim ‘a polícia? Mas eu não fiz nada'”, relata o jogador de futebol.
“Viemos apreender o carro, temos aqui um mandado de apreensão do carro”, disse-lhe a polícia. “O meu pai estava branco e eu não conseguia falar, foi um choque muito grande, porque uma pessoa pensa que só acontece aos outros“, conta o jovem.
O carro, que fora adquirido num stand físico e de forma completamente legal, foi apreendido. “Parece claramente que existiu falsificação de documentos”, diz à CNN a advogada Rita Garcia Pereira.
Custódio Gonçalves, o antigo dono do Mercedes, apresentou um Documento Único Automóvel sem reserva de propriedade, o que quer dizer que o carro lhe pertencia de forma legítima.
“Ligou-me o dono do carro, o dono do stand deu-lhe o número do meu telemóvel, e ele ligou-me a dizer que não pode ser, que houve um engano qualquer, que era uma pessoa de bem, que podia dar-me o dinheiro ou dois carros, tudo ali direitinho, e eu disse ‘ok, vamos resolver'”, conta Tiago.
Semanas mais tarde, o jogador recebeu em casa uma encomenda de uma empresa de recuperação de ativos que lhe devolvia as matrículas do carro e informava que o Mercedes foi repatriado para França, onde a viatura fora apreendida num processo judicial interposto pela própria Mercedes.
Um mês antes de o automóvel ser vendido a Tiago, quando já tinha uma matrícula portuguesa, em maio de 2019, as prestações deixaram de ser pagas e a Mercedes ativou os tribunais para recuperar o carro. O gerente da empresa incumpridora era nem mais nem menos do que Custódio Gonçalves, o homem que vendeu o carro em Portugal a Tiago Castro.
“Eu pelo que sei, no livrete, quando uma pessoa tem um crédito, na compra de um carro, tem lá a dizer que tem reserva de propriedade. Neste caso, não. O livrete estava limpo, direitinho, nunca nos passou pela cabeça. Fomos surpreendidos claro, como é que pode acontecer uma coisa destas? Não compreendo”, diz o pai de Tiago.
A advogada diz que há várias hipóteses para a questão: “uma delas é Custódio Gonçalves ter feito um negócio jurídico que retirou o carro da esfera jurídica da sociedade e, ao mesmo tempo, apagou a reserva de propriedade junto da Mercedes. Só por falsificação. Não existe outra possibilidade, e o registo em Portugal aceitou-o como tal. Deu como bom o documento falsificado”.
“A lógica do sistema é: a marca, seja ela qual for, vem buscar a viatura e o lesado pode pedir uma indemnização a quem o enganou ou lesou. O problema deste sistema, que é igual aqui e em França, é se a pessoa que lesou depois não tem património, ficará quase impossível o lesado ser ressarcido“,conclui a advogada.
Atualmente, Tiago paga mensalmente uma prestação de 500€, com um ano e meio de dívidas pela frente. Do carro, nem sinais.