É possível reanimar as retinas humanas após a morte

Há muito que se assume que, quando o ser humano morre, os seus neurónios morrem consigo. Contudo, um novo estudo, sobre o tecido do olho, começa a questionar essa ideia.

Um novo estudo, recentemente publicado na revista Nature, oferece uma nova perspetiva sobre as doenças dos olhos relacionadas com a degeneração macular da retina — principal causa de perda de visão e cegueira.

No decorrer do estudo, Frans Vinberg, cientista de visão da Universidade de Utah, Anne Hanneken, cirurgiã de retina da Scrips Research, e colegas, restauraram a atividade elétrica nas retinas humanas de doadores de órgãos recentemente falecidos por morte cerebral ou cardíaca.

A metodologia usada permitiu restabelecer o tecido neural sensível à luz que se situa na parte detrás dos olhos e comunica com o cérebro.

Segundo a Scientific American, numa fase inicial, os investigadores testaram durante quanto tempo as retinas de rato continuavam a enviar sinais elétricos, após estes terem sido eutanasiados.

A equipa de investigadores conseguiu restaurar a atividade até três horas após a morte, e descobriu que a falta de oxigénio era a principal causa da perda irreversível da função.

De seguida, os investigadores estudaram os olhos humanos – transportados para o laboratório num recipiente que fornecia oxigénio e nutrientes -, expondo o tecido da retina a luz fraca e fazendo a medição dos sinais elétricos gerados pelo tecido.

Com este estudo, os cientistas foram capazes de restabelecer a atividade elétrica em células sensíveis à luz, denominadas de “fotorrecetores” e, ainda, nos neurónios a que estas células se ligam nos olhos do doador.

Os resultados mostraram que não só é possível restaurar as células individuais, mas também a comunicação entre elas.

Os resultados obtidos sugerem, ainda, que é possível recuperar outros tipos de tecido neural.

Segundo Anne Hanneken, “a retina é uma janela para o cérebro, por isso se se conseguir restaurar a comunicação na retina, após a morte, será de considerar que tipo de comunicação se poderá recuperar do cérebro”.

“Conseguimos acordar as células fotorecetoras na mácula humana, que é parte da retina responsável pela nossa visão central e pela nossa capacidade de ver pequenos detalhes e a cores. Nos olhos obtidos até cinco horas após a morte de um doador de órgãos, estas células responderam à luz brilhante, luz colorida e até a flashes de luz muito fracos”, explica Fatima Abbas, primeira autora do estudo.

Joan Miller, professora de oftalmologia na Havard Medical School, que não esteve envolvida no estudo, afirma que “o que é mais excitante é que isto poderia realmente tornar-se um modelo para estudar fisiologia visual em retinas humanas, na saúde, no envelhecimento e na doença”.

O estudo abre também a hipótese de se poderem vir a fazer transplantes de retina, embora os investigadores assumam que esta possa ainda ser uma realidade muito distante.

De referir que o estudo foi iniciado após a equipa de cientistas ter tido conhecimento de que, em 2019, investigadores da Universidade de Yale tinham comprovado que a atividade elétrica poderia ser restaurada no cérebro de um porco após a sua morte.

O ZAP falou na altura com o investigador português André Sousa, que participou na pesquisa, sobre os “avanços significativos” verificados.

Teresa Campos, ZAP //

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