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Estaline não trocava um soldado por um marechal

U.S. Signal Corps / Wikimedia

Josef Estaline na Conferência e Teerão, em 1943

Josef Estaline na Conferência e Teerão, em 1943

O livro “A Vida Privada de Estaline”, da historiadora francesa Lilly Marcou, publicado esta semana em Portugal, estabelece uma visão paralela entre o exercício do poder político e a esfera mais íntima do ditador soviético.

A investigação, que utiliza como fontes os descendentes do próprio Estaline e os arquivos do Kremlin, não se limita aos momentos políticos iniciais do futuro ditador, nascido em Gori, na Geórgia, em 1878, e através de uma tabela genealógica traça um percurso familiar “igualmente trágico” do homem responsável por políticas que causaram a morte a milhões de pessoas.

“A solidão e o descontentamento que Estaline continuava a sentir face à evolução dos filhos, nenhum dos quais parecendo digno das expectativas que criara, levavam-no a remoer o passado com mais frequência. Principalmente no que se refere à segunda mulher, Nadejda, e ao seu suicídio que ele nunca aceitara nem compreendera” (página 225), escreve a autora sobre o período imediatamente após o final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) referindo-se à morte da mulher, assunto que terá perturbado o líder soviético durante toda a vida.

Do ponto de vista pessoal, durante a guerra, Estaline perde o filho Iakov, prisioneiro do Exército alemão em 1941, mas também sobre este episódio a história oficial soviética vai mudando as versões dos acontecimentos ao longo das décadas, sendo que o jovem tenente-major da Divisão de Tanques terá sido, de acordo com relatos transmitidos à família por um militar belga, abatido a tiro por um guarda do campo onde se encontrava preso.

“Ele (Estaline) ficou sem ar, como se golpeado pela notícia, mas não quis falar”, recorda Svetlana, filha do líder, que confirma que o pai nunca aceitou a proposta de Berlim em trocar o filho pelo marechal Paulus, comandante das forças nazis em Estalinegrado e capturado pelos soviéticos.

Não troco um soldado por um marechal” terá afirmado Estaline, que não aceitou a negociação proposta por Hitler.

Os locais em que Estaline viveu são também descritos, sobretudo as “datchas” nos arredores de Moscovo: o quarto, a secretária com gavetas, a cama com cobertor militar e sobretudo a biblioteca que incluía edições impressas antes da revolução russa e mais tarde tudo o que a literatura soviética produzia, além das obras de política, economia, tecnologia e ciências exatas.

“Estaline anotava os seus livros à mão. A leitura dessas notas escritas à margem de cada página é uma fonte valiosa para aprendermos o seu pensamento em tempo real” (página 191), refere Lilly Marcou, autora de vários estudos sobre a União Soviética.

O “homem de aço”

As purgas políticas desde os anos 1930 que atingiram os próprios familiares e amigos próximos do círculo de poder são investigadas pela historiadora francesa que recorda também o momento inicial em que o jovem Iosif Vissarionovitch Djugachvili, aliás Koba, se transforma em Estaline após os primeiros encontros com Lenine em 1913.

“Em russo ‘stal’ significa aço; Estaline quer dizer ‘homem de aço’. Há uma lenda segundo a qual o nome Estaline tem como origem o relacionamento amoroso com uma mulher chamada Ludmila Stahl, que ele teria conhecido durante esse período e que o teria ajudado durante os seus numerosos exílios”, escreve a autoria do livro.

Reuniões familiares, as desavenças com Lenine e com Trotsky, perseguições contra políticos, o massacre dos oficiais polacos em Katyn; momentos marcantes do estalinismo como os casos Kirov e Mozorov, os meandros do pacto com a Alemanha nazi, a “questão antissemita”, são alguns dos assuntos também referidos no livro que termina com os pormenores sobre a morte de Estaline.

A autora relata os últimos dias de Estaline, desde a noite de 27 de fevereiro de 1953 em que terá sido vítima de um ataque cardíaco até ao momento da morte, no dia 5 de março, na presença da filha e de todos os membros do Politburo, incluindo Beria, que tentou convencer Molotov (ex-ministro dos Negócios Estrangeiros) que teria envenenado o líder soviético.

“Fui eu que o eliminei… Salvei-os a todos!”, terá dito Beria, antigo responsável pela polícia política do regime, tendo participado em vários massacres durante o estalinismo.

“Para a neta de Estaline, Nadejda, é o que sugere a marca de uma injeção que teria sido observada pelos guardas no momento em que o levantaram do chão” (página 259), sublinha Lilly Marcou sobre a possibilidade de assassinato, citando uma entrevista a Nadejda Stalina registada em 1995.

O livro, “A Vida Privada de Estaline” de Lilly Marcou (Editora Vogais, 286 páginas) lançado esta semana em Portugal, inclui uma árvore genealógica do ditador soviético e o excerto de uma carta dirigida a Lenine e datada de 1915.

/Lusa

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