As esculturas misteriosas que os arqueólogos tentam explicar há décadas

Ziko / Wikimedia

Em busca de provas para as suas “teses peculiares” – como a de que a cultura egípcia teve origem na Península de Yucatán, no México -, o explorador Augustus Le Plongeon e a sua esposa, Alice Dixon, fizeram uma descoberta inusitada no sudeste mexicano em 1875.

O franco-americano e sua esposa estavam há dois anos numa expedição pela selva, onde exploraram ruínas da civilização maia.

Fizeram mapas, tiraram uma das primeiras séries fotográficas dos templos e documentaram os murais que encontraram. Também desenterraram algumas esculturas e outros objetos da antiga civilização.

Embora não tenham encontrado evidências das suas teorias sobre a origem dos egípcios, um dos achados, na cidade de Chichén Itzá, foi um dos mais marcantes: a efígie de um homem semi-reclinado, a olhar para o lado, segurando um prato ou uma tigela sobre o ventre.

Le Plongeon batizou a figura de “chac mool“. Chac pode ser traduzido como “enorme” ou “vermelho”, enquanto mool significa “pata de jaguar”.

Desde então, foram descobertas esculturas de chac mool não apenas na região maia, como noutras regiões da Mesoamérica, uma região cultural que se estende do centro do México à Costa Rica e foi o berço de grandes civilizações.

Ao longo de décadas, os arqueólogos tentam descobrir quem ou o que é representado nelas, qual a sua função, qual a origem da imagem e por que é que estas esculturas aparecem em tantos locais diversos. Estas dúvidas têm sido objeto de grandes debates e estudos.

“Há especulações sobre muitas coisas, mas não temos dados científicos”, diz o arqueólogo José Luis Punzo Díaz, que lidera uma equipa que investiga a mais recente descoberta de uma escultura desse tipo na cidade de Pátzcuaro, no Estado de Michoacán, no México.

“A descoberta deste chac mool é a ponta do iceberg que nos permitirá compreender realmente essas peças. É isso que considero extremamente animador nesta descoberta”, afirma, acrescentando que sua equipe está usando ferramentas tecnológicas e científicas que não estavam disponíveis antes.

A figura enigmática

As estátuas de chac mool encontradas e batizada pelos Le Plongeon em 1875 é a mais famosa, mas é apenas uma de muitas encontradas, que datam de aproximadamente 600 d.C. até além de 1500 d.C.

Apesar de ser uma escultura notável, encontrada em pontos relevantes de palácios e cidades pré-hispânicas, o chac mool nunca foi representado ou explicado em documentos históricos dos toltecas, astecas, maias, purépechas ou outras grandes culturas mesoamericanas.

Isso levou a que os arqueólogos criassem diversas teorias, reunidas pelos investigadores Alfredo López Austin e Leonardo López Luján numa extensa compilação sobre estas esculturas publicada na década de 2000.

Não houve consenso entre os especialistas sobre a origem das estátuas – se surgiram como parte da cultura do centro do México, da região maia ou do norte da Mesoamérica.

Também há divergências sobre a figura humana representada, se seria um sacerdote, um soldado, uma vítima de sacrifícios, um rei ou nobre específico, um mensageiro divino ou mesmo uma divindade.

Sobre a função da estátua, as opiniões são mais unânimes: seria um altar de sacrifícios ou de oferendas – de tabaco, pulque (um tipo de bebida alcoólica fermentada), incenso, animais e até corações humanos.

As estátuas de chac mool não são todas iguais. Em algumas, a cabeça está virada para a direita, noutras, para a esquerda. Há diferenças no rosto, nos ornamentos, na posição do abdômen, das pernas e nas bases da estátua.

“Tanto a forma como o significado do chac mool modificam-se dependendo da sua localização geográfica, cronológica e cultural”, apontam López Austin e López Lujan.

E o facto de ser uma peça presente em diversas culturas, com diferentes rituais e visões de mundo, acrescenta questões.

A jornada do chac mool

O facto de uma das peças mais antigas (entre 600 e 900 d.C.) ter sido documentada numa região do norte da Mesoamérica chamada Chalchihuites pode ser uma indicação de que o chac mool teria “viajado” ao longo dos séculos através de diversas culturas e territórios.

Na cultura dos toltecas, em Tula, nos planaltos centrais do México, foram encontradas várias esculturas desse tipo – em locais variados como portas de palácios ou praças. Essa cidade foi fundamental para influenciar outras culturas dominantes, como os mexicas e os maias.

“As migrações têm sido a força motriz que explica muitas dessas coisas na Mesoamérica. Parece que há migrações de norte para centro e oeste que trazem esse tipo de esculturas”, afirma Punzo Díaz.

Os toltecas estabeleceram-se a centenas de quilómetros de Yucatán, mas hoje sabe-se que influenciaram os maias em lugares como Chichén Itzá, que por sua vez influenciaram a região da península e o que hoje é a América Central.

“Todos associam o chac mool aos maias, mas é realmente uma influência que vem do centro do México“, avalia Punzo Díaz.

Como já aconteceu em muitos casos, a descoberta do chac mool na cidade de Pátzcuaro em agosto foi por acaso, durante escavações de uma construção civil.

É a primeira escultura deste tipo encontrada no contexto da cultura Purépecha que ali vivia, embora outras peças já tivessem sido encontradas no Estado de Michoacán ao longo do século passado.

Para Punzo Díaz e sua equipa, o bom estado desta peça e os avanços da tecnologia poderão ajudar a desvendar alguns dos mistérios do chac mool.

“Temos arqueólogos, restauradores, químicos, vulcanologistas e especialistas em informática. Estamos a avançar“, afirma.

ZAP // BBC

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