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“Diplomacia da cerveja.” A bebida pode ajudar a construir uma sociedade

tavallai / Flickr

Uma equipa de arqueólogos acredita que a cerveja ajudou a unir uma sociedade peruana que existia há séculos atrás. Aliás, acredita-se que o Império Wari seja o primeiro estado imperial da América do Sul.

De 600 a 1000 d.C., os membros da elite reuniam-se em festas e consumiam uma bebida leve e azeda chamada “chicha de molle“. Os autores do estudo, publicado recentemente na revista Sustainability, descreveram esta substância, semelhante à cerveja, como “uma bebida alcoólica de excelente potência”.

Os arqueólogos analisaram fragmentos de vasos de cerâmica e resíduos químicos encontrados há quase duas décadas numa cervejaria no Cerro Baúl, no topo de uma montanha no Peru – um centro administrativo meridional do império Wari, na região de Moquegua, no sul do Peru, que fazia fronteira com a terra da sociedade rival de Tiwanaku.

Segundo os especialistas, a bebida não era exportada pelo que acreditam que até duzentos membros teriam que se reunir nos festivais no Cerro Baúl para consumir a cerveja. A bebida era servida em jarros de cerâmica com cerca de três metros de altura, decorados com simbolismos sobrenaturais e políticos, incluindo figuras que se assemelhavam a deuses e líderes.

(dr) Field Museum

“Os vasos cerâmicos mais elaborados podem ter solidificado as relações entre a elite Wari e os seres sobrenaturais que controlavam a disponibilidade de água e a fecundidade presumivelmente representadas nesses vasos”, escreveram os autores do artigo.

Fazer e servir a cerveja era um processo muito complexo que exigia habilidades especiais, como criar embarcações feitas especialmente para este tipo de eventos, encontrar tintas para decorar os vasos com padrões geométricos além da compreensão e execução da própria bebida.

Patrick Ryan Williams, co-autor do estudo e curador no Field Museum, revelou à Newsweek que a forma como a bebida foi produzida e consumida dá uma ideia da força do império Wari.

“Descobrimos que a cervejaria Wari obtinha os seus recipientes de cerâmica e construía as embarcações a partir de matérias-primas locais. Tinham a sua própria oficina especializada para produzir estas cerâmicas, o que significa que não dependiam de produtores de fora para fazer a sua cerveja”, explicou.

A cerveja era fermentada a partir de grãos de milho e pimenta. Esta era uma mais-valia, uma vez que as bagas de pimenta eram produzidas durante todo o ano na região em questão, mesmo em tempos de seca, fazendo dos ingredientes desta bebida um recurso resiliente.

Segundo Patrick Ryan Williams, a técnica era “essencialmente Wari“, já que os motivos iconográficos dos jarros eram retirados diretamente do conhecimento Wari, e a receita da chicha era também uma criação própria.

“A bebida foi usada em eventos políticos para reafirmar uma identidade compartilhada, fazer as pessoas soltarem-se e criar uma interação memorável que unisse os líderes. Isto mostra-nos que a cerveja, de fonte local, pode fornecer unificação política ao longo dos séculos”, disse Williams.

As tradições emergem das sociedades, e para o investigador “eventos comensais mantêm a sociedade unida”. Desta forma, comida e bebida especiais “podem ser a chave para esse esforço”.

“Os Wari certamente não foram os únicos a usar cerveja para reafirmar a sua identidade compartilhada. O povo Inca também o fez. E através do mundo ao longo do tempo, comida especial, bebida e roupas eram fundamentais para formar laços entre grupos distintos de pessoas”, rematou.

De uma perspetiva social, este estudo contribui para entender quais os fatores mais importantes para manter a unidade política em sociedades multiculturais, fatores esses resilientes diante de fatores como a fragmentação social, a crescente desigualdade ou a mudança climática.

Este artigo científico esclarece a cultura de consumo dos Wari, no entanto, ainda não está claro o fenómeno que levou à sua queda.

“Não temos 100% de certeza sobre o que causou o colapso de Wari”, explicou Williams. “Sabemos que incendiaram a cervejaria no final de seu reinado, por volta de 1050 d.C., e abandonaram o local, para nunca mais voltar. Alguns arqueólogos acreditam que as secas severas desempenharam um papel na desestabilização tanto dos Wari, quanto dos Tiwanaku.”

ZAP //

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