Daniel García esteve 17 anos em prisão preventiva. Milhares podem ser libertados por causa dele

O caso mediático de Daniel García e Reyes Alpízar promete mudar a Constituição mexicana. Tal alteração poderia levar a libertação de milhares.

Em 2002, Daniel García e Reyes Alpízar foram acusados, sem provas, pelo então Procurador-Geral de Justiça do Estado do México (PGJEM) do assassinato de María de los Angeles Tamés Pérez, vereadora do município de Atizapán de Zaragoza, em setembro de 2001.

Os dois mexicanos são a imagem da prisão preventiva mais longa da história: 17 anos e 6 meses de prisão, sem qualquer cumprimento de pena.

Só em 2019 é que outro juiz decidiu alterar a sua medida cautelar para que fossem libertados com uma pulseira eletrónica e proibidos de sair do país.

O caso de García e Alpízar espelha aquilo que os críticos dizem ser uma das piores falhas do sistema judiciário mexicano: a detenção prolongada de milhares de pessoas atrás das grades, muitas delas inocentes.

Esta figura jurídica específica do México é conhecida como arraigo e permite que, em casos de suspeitas graves, uma pessoa seja detida sem provas para que seja investigada durante 30 dias.

Um relatório de 2021 da Comisión Mexicana de Defensa y Promoción de los Derechos Humanos chama ao arraigo de “uma violação dos direitos humanos”.

Em junho deste ano, 40,8% da população encarcerada do México — 92.595 pessoas de um total de 226.917 – não tinham sido condenadas, segundo a Secretaría de Seguridad y Protección Ciudadana.

Torturado e sem advogado

Daniel García está agora a recorrer ao Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, pedindo a condenação do México por violações aos seus direitos fundamentais, ao devido julgamento e à liberdade pessoal.

García foi detido a caminho da casa do seu pai, em fevereiro de 2002, e levado a uma esquadra, onde ficou 14 horas sem advogado e sem saber o motivo de estar ali. Depois, foi levado para um hotel, onde ficou preso durante 45 dias.

“Fui enviado para um hotel, custodiado por polícias, sem advogado, sem contacto com ninguém. De madrugada, chegou uma pessoa, que disse ser procurador, e disse-me que eu tinha que assinar documentos. Só soube que era suspeito depois de ver notícias que passaram na televisão”, lembrou Daniel García.

O então comerciante alega que não há nenhuma prova concreta da sua participação na morte da vereadora e que todas as investigações foram baseadas em depoimentos de testemunhas sob tortura e em artigos de jornais.

García terá sido torturado e só foi levado a um juiz apenas no 45.° dia de detenção. Na altura, o magistrado aplicou a pena de prisão preventiva, tendo ficado encarcerado até 2019.

“Não se pode justificar a permanência destas figuras no marco jurídico sob o argumento de violência, de aumento da criminalidade ou forte presença de crime organizado. Qualquer medida restritiva de liberdade deve ter como base o princípio da presunção de inocência, o que não acontece nestes casos”, disse Simón Hernández León, representante da vítima, numa audiência realizada na semana passada.

Milhares podem ser libertados

No ano passado, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos constatou que García e Alpízar tinham sido torturados física e psicologicamente e que um juiz recusou-se a permitir que apresentassem provas que pudessem provar a sua inocência.

A comissão recomendou que o México indemnizasse os dois réus. Em vez disso, em maio, um juiz sentenciou-os a 35 anos de prisão. A sentença foi suspensa até que um tribunal revisse a decisão.

Segundo a VICE, espera-se que o Tribunal Interamericano de Direitos Humanos decida até ao final do ano se as autoridades mexicanas torturaram García e o seu co-réu, Reyes Alpízar, e se os prenderam arbitrariamente.

É possível que o tribunal ordene ao México que modifique a sua Constituição com base numa violação dos direitos humanos. A Supremo Tribunal do México também concordou em ouvir dois casos sobre o tema e pode decidir já na próxima semana se a prática viola a Convenção Americana de Direitos Humanos.

O impacto desta sentença é o possível desaparecimento da prisão preventiva informal e do arraigo. O Supremo Tribunal de Justiça vai discutir no próximo dia 5 de setembro projetos que propõem a inconstitucionalidade da prisão preventiva informal.

“Queremos deixar bem claro que não se pretende acabar com a prisão preventiva, mas sim eliminar a sua modalidade automática, para que a autoridade judicial possa avaliar os limites e padrões previstos na Convenção Americana”, explicou o advogado dos réus.

No entanto, o Estado mexicano manteve a posição de que há indícios razoáveis que apontam para a responsabilidade de García na morte da vereadora e que a Justiça agiu de forma diligente durante todo o processo.

Daniel Costa, ZAP //

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