Será que Cristóvão Colombo trouxe a sífilis da América para a Europa?

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Retrato póstumo de Cristóvão Colombo, por Sebastiano del Piombo (1519)

A sífilis e Cristóvão Colombo têm mais em comum do que se possa pensar. Ambos aterraram em novos continentes e colonizaram os habitantes locais no final do século XV: Colombo colonizou os indígenas americanos, a sífilis colonizou os europeus, e ambos procuravam também um caminho para a Ásia.

A sífilis surgiu pela primeira vez na Europa em 1494, num acampamento do exército francês, um ano depois de Colombo ter regressado de uma viagem à América. A doença desfigurante propagou-se entre os soldados e os seus parceiros sexuais, provocando feridas nos órgãos genitais, no reto ou na boca.

Em apenas cinco anos, a sífilis tinha-se espalhado por toda a Europa e, pouco depois, pela Índia, China e Japão. O sexo, embora não seja a única via de transmissão, é um meio eficaz de propagação da doença.

A chamada “hipótese colombiana” defende que a sífilis foi trazida para a Europa por marinheiros que regressavam da sua colonização dos indígenas americanos. A ideia é que as doenças foram trocadas entre europeus e americanos, tal como as novas mercadorias, como a pólvora pelo tomate ou a varíola pela sífilis.

Nos últimos anos, a comunidade científica tem-se dividido quanto à relação entre a viagem de Colombo à América e o aparecimento da doença na Europa.

Um estudo publicado em janeiro sustenta que Colombo poderá não ter trazido a sífilis para a Europa, e um outro estudo, em 2020, encontrou evidências de que a doença tinha chegado à Europa muito mais cedo do que se pensava.

Um novo estudo, conduzido por investigadores do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, em Leipzig, Alemanha, e publicado esta semana na revista científica Nature, dá agora crédito à “hipótese colombiana”.

No decorrer do estudo, Kirsten Bos, antropóloga do Max Planck, efetuou uma análise genética de cinco esqueletos encontrados na América do Sul. As análises levaram Bos e os seus colegas a acreditar que um precursor da bactéria causadora da sífilis tinha circulado nas Américas há 8000 anos.

“Quatro dos cinco esqueletos [que analisámos] datam de antes de 1492, o que significa que esta diversidade de agentes patogénicos já estava presente nas Américas na altura do contacto colombiano”, afirmou a autora do estudo, Bos.

A sífilis teve origem na América há 8000 anos

Para testar a hipótese colombiana, Bos e os seus colegas efetuaram uma análise genética das bactérias presentes nas lesões ósseas dos cinco esqueletos, provenientes do Chile, Argentina, Peru e México.

As suas amostras bacterianas incluíam três subespécies da família das bactérias treponémicas, que são responsáveis por diferentes doenças treponémicas. Uma subespécie, T. pallidum, causa a sífilis moderna.

Bos comparou as diferenças genéticas das subespécies treponémicas mais antigas com amostras de sífilis moderna. Esses dados permitiram à equipa extrapolar o tempo que a bactéria demorou a evoluir e estimar quando surgiu o agente patogénico.

A sua análise parece confirmar que a bactéria T. pallidum, causadora da sífilis, emergiu da precursora com 8000 anos, por volta da época de Colombo.

“O nosso modelo sugere que a sífilis apareceu pela primeira vez há cerca de 500 ou 600 anos, quer nas Américas, quer na Europa (ou noutro local) a partir de uma estirpe [bacteriana] introduzida a partir das Américas”, disse Bos.

Como é que a sífilis se espalhou pelo mundo?

O estudo fornece evidências convincentes de que o T. pallidum circulava amplamente nas Américas antes da chegada de Colombo da Europa renascentista. No entanto, não prova de forma conclusiva que a sífilis foi trazida para a Europa a partir das Américas.

“Mostra que] as Américas atuaram como um reservatório onde [as bactérias causadoras da sífilis] circulavam amplamente. Pode ainda ter vindo para a Europa de outro local ou já lá estar”, disse Mathew Beale, especialista em genómica do Wellcome Sanger Institute em Cambridge, Reino Unido. Beale não participou no estudo.

Os estudos mostram que as doenças treponémicas podem ter sido endémicas no Norte da Europa por volta da mesma altura que as viagens de Colombo ou possivelmente ainda antes.

As origens exatas da sífilis são difíceis de identificar, disse Kerttu Majander, um arqueogeneticista da Universidade de Basileia, na Suíça.

Uma hipótese é a de que as doenças treponémicas sempre existiram, apanhando  boleia nos humanos quando estes migraram da Ásia para as Américas, há cerca de 12 000 anos.

“Outra teoria é que são zoonóticas, o que significa que [os precursores da sífilis] passaram dos animais para os humanos na América. Mas ainda não encontrámos provas de animais com doenças treponémicas”, disse Majander.

Também não se sabe ao certo o que fez com que a sífilis moderna surgisse como uma infeção sexualmente transmissível altamente transmissível há 500-600 anos.

“Pode ser que alguma coisa tenha feito com que as espécies de bactérias treponémicas se recombinassem e causassem formas mais agressivas de sífilis, mas não sabemos”, disse Majander.

O que torna a situação ainda mais complicada é o facto de a sífilis e a gonorreia serem frequentemente confundidas nos registos históricos e só terem sido formalmente reconhecidas como doenças distintas há cerca de 200 anos.

“Ainda há um debate histórico sobre se o surto de ‘sífilis’ descrito no século XV foi realmente causado pelo T. pallidum”, disse Beale.

As estirpes de sífilis resistentes aos antibióticos são um problema atual

Sem tratamento, a sífilis já desfigurou o corpo das pessoas e causou paralisia, cegueira, ataques de dor e até a morte.

O desenvolvimento do antibiótico penicilina em 1943 erradicou os sintomas perigosos da sífilis, mas não a doença em si.

Mas a sífilis continua viva. A transmissão sexual causa mais de 8 milhões de novos casos por ano, enquanto a sífilis congénita provoca cerca de 200 000 nados-mortos. Os casos estão a aumentar também nos jovens adultos e a investigação sugere que este facto pode estar ligado a um aumento das relações sexuais sem proteção.
Existem também estirpes de T. pallidum resistentes aos antibióticos, o que significa que estão a ressurgir infeções de sífilis mais mortais.

É por isso que estudos como este são relevantes, disse Majander, especialmente se quisermos erradicar a sífilis: “O estudo mostra que a sífilis tem a capacidade de se adaptar a qualquer ambiente. Levanta a questão de saber se já existiam outras doenças treponémicas e se poderão surgir novas doenças mais agressivas no futuro”.

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