Uma equipa de investigadores do Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC) e da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC) descreveu, pela primeira vez numa criança, uma variante do vírus da imunodeficiência humana (VIH) associada ao surgimento tardio da SIDA.
O estudo, já publicado no Journal of Medical Microbiology Case Reports da Society for General Microbiology, descreve o caso clínico de uma criança de 5 anos de idade que, apesar de estar infetada por VIH, manteve-se saudável, registando apenas as patologias típicas da idade.
Ao dar entrada no hospital para ser sujeita a uma pequena cirurgia, as análises de rotina revelaram alterações das provas de coagulação e marcadores hepáticos. As análises identificaram ainda a ausência de linfócitos CD4+ (glóbulos brancos responsáveis pela defesa do organismo contra infeções) e um grau muito elevado de infeção pelo VIH, apresentando mais de um milhão de vírus por mililitro de sangue (1.073.899 cópias/ml de sangue).
Através de um estudo detalhado do gene do VIH que codifica a proteína Vpr (responsável por regular o nível de virulência), os investigadores descobriram argumentos fortes para impedir o vírus de se manifestar durante tanto tempo: “Detetámos a presença de duas mutações associadas à proteína Vpr do VIH1, R77Q e Q3R, descritas como estando envolvidas no aparecimento tardio dos primeiros sintomas da Síndroma da Imunodeficiência Adquirida (SIDA)”, explica Teresa Gonçalves, coordenadora do estudo.
A descoberta destas duas mutações é muito relevante para o prognóstico da doença. “Idealmente, a inclusão do estudo destas mutações na rotina clínica permitiria prever a evolução do vírus e evitar, por exemplo, a administração de medicação antirretrovírica numa fase precoce do diagnóstico. Além de proteger o doente, uma vez que os tratamentos podem causar efeitos secundários indesejáveis e no caso das crianças afectam o normal crescimento, possibilitaria reduzir custos aos serviços de saúde”, sublinha a também docente da FMUC.
O estudo evidenciou ainda que a criança foi infetada por transmissão vertical, ou seja, a partir da mãe, também ela assintomática, “durante a gravidez, no parto ou no período de aleitamento materno. Trata-se de um caso clínico excecional porque, embora a criança frequente um infantário, nunca desenvolveu patologias infeciosas oportunistas e nunca foram registadas reações adversas à vacinação efetuada de acordo com o Plano Nacional de Vacinação”, conclui Teresa Gonçalves.