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Covid-19 acrescenta novo fator de stress aos militares destacados no exterior

A pandemia acrescentou mais um fator de “stress” aos militares em missão no exterior mas, em teatros de operações difíceis a missão operacional não parou apesar de “algumas quarentenas” e a família continuou a ser principal preocupação.

Segundo o Centro de Psicologia Aplicada do Exército (CPAE), o principal fator de stress para os militares quando estão em missão é geralmente a saudade da família e da rotina.

Com a pandemia, os resultados da avaliação psicológica aos militares mudaram de figura e indicam que “o medo de a família ser infetada, bem como o medo de, após regressarem a Portugal, infetarem a família, algum camarada ou algum amigo” estão no topo das preocupações, afirmou à Lusa o Major Nuno Martins Ribeiro, Chefe do Núcleo de Apoio e Intervenção Psicológica do CPAE.

Em declarações à Lusa, o tenente-coronel Capinha Henriques, que comandou o 7.º contingente português na Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas Para a Estabilização da RCA entre março e novembro de 2020 afirmou que em pleno período agudo da pandemia, a preocupação foi maior: “É lógico que a covid-19 veio incrementar mais uma preocupação, a de controlar a doença e tentar que nada aconteça aos militares. Se houvesse algum com covid-19, teria que fazer o isolamento e ver se a situação não piorava e teria que ser evacuado para cá. Felizmente não aconteceu nenhum caso desses”, disse.

“Estamos a falar de um conjunto de pessoas que são altamente treinadas”, explicou. “Não basta só a pressão do combate e da própria missão, mas também a pressão de estar preocupado com a questão da covid-19. E falo por mim, estar preocupado com os meus militares para que eles não tenham covid-19, dá um maior desgaste psicológico. Isso eu não tenho dúvidas, temos é que ter capacidade de ultrapassar”, disse.

É o caso do soldado paraquedista Rúben Gonçalves, 23 anos, que destacou, em declarações à Lusa, o afastamento da família e a preocupação com os efeitos da pandemia em casa como as maiores exigências da missão.

“A missão foi principalmente difícil, não tanto por nós, mas por acompanharmos a situação em Portugal. Víamos pelas notícias, pela televisão, que não estava fácil. Era mais a preocupação, falo por mim e pelos meus camaradas, com a nossa família e pessoas mais chegadas”, conta o paraquedista, que completou a sua primeira missão no ano passado.

Rúben Gonçalves, que fazia a preparação de materiais, treino físico e limpeza de armamento, disse que em termos operacionais, a missão não parou “embora tendo todos os cuidados possíveis”: “Tivemos de fazer algumas quarentenas, mas a vida operacional não parou”, frisou.

No aquartelamento, foram interrompidas todas as atividades de lazer que pudessem colocar em risco a sua segurança, tendo encerrado o café e o ginásio em que costumavam conviver. O paraquedista admite que esta alteração “afetou” a moral do grupo, mas não prejudicou a resposta dos militares às necessidades da missão.

Para além do acompanhamento psicológico na fase de aprontamento, nenhum dos seus pares precisou de solicitar apoio durante a missão, o que o paraquedista atribui à entreajuda dos militares.

Também o tenente-coronel Capinha Henriques realçou que foi difícil ter que esperar 15 dias isolado até conseguir voltar para junto da mulher e dos filhos, mas admite que foi um mal necessário.

Nessa fase e nos seis meses posteriores à missão, o CPAE acompanhou os militares, com uma monitorização mais próxima. Desta vez, o apoio foi dado à distância, em consequência da pandemia.

Por norma, os militares respondem a uma série de inquéritos para que se tenha conhecimento da situação em que se encontram. Além disso, o centro tem uma linha disponível durante 24 horas para qualquer eventualidade, seja com os militares que se encontram no território nacional, com as forças destacadas ou as suas famílias.

O modelo de intervenção a nível psicológico, pela qual o CPAE se rege, começou a ser aplicado em 1996 e foca-se essencialmente na parte da prevenção, através de avaliações psicológicas e também do lado educativo, com palestras de sensibilização.

Outro ponto importante deste modelo, principalmente para as forças destacadas, é a existência de militares entre o grupo que passaram por uma formação de primeiros socorros psicológicos. São eles que estão na primeira linha de intervenção quando algo acontece durante a missão, uma vez que não há psicólogos integrados no contingente.

Conhecida como “formação de pares”, tem uma duração de quatro dias e é dada a um conjunto de militares que os seus pares identificam “como tendo características que os distingue nesta área do apoio mais de âmbito psicológico com as quais se revêem ou que estariam à partida disponíveis para falar de uma situação que os afete do ponto de vista psicológico”, afirma o Major Nuno Martins Ribeiro.

No caso deste apoio não ser suficiente, o caso passa a um psicólogo que está sempre disponível para o destacamento, o que acontece “diversas vezes em situações de falecimento de familiares muito próximos, portanto, situações impactantes do ponto de vista daquilo que é uma situação em território nacional”, conclui o Major Nuno Martins Ribeiro.

O 7.º contingente na RCA integou 180 militares, 177 do Exército e 3 da Força Aérea.

// Lusa

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