Há provas: ‘Os Lusíadas’ foi alvo de contrafação

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Os Lusíadas – 1ª edição, exemplar do Ateneu Comerical do Porto

Esclarecida dúvida que se prolonga há 400 anos: nova edição crítica prova, pela primeira vez, que houve contração na edição original do livro.

Uma nova edição crítica de “Os Lusíadas” prova pela primeira vez que houve uma contrafação à edição original, de 1572, esclarecendo uma dúvida que remonta ao século XVII, relativamente a diferenças entre cópias com a mesma data e tipografia.

Esta edição crítica da primeira edição (princeps) de “Os Lusíadas” é da autoria da investigadora portuguesa Rita Marnoto e foi publicada pelo Centro Internacional de Estudos Portugueses de Genebra (CIEPG), no âmbito de um trabalho mais alargado que aquele centro suíço está a desenvolver: fazer a edição crítica de toda a obra de Luís de Camões, disse a investigadora, em entrevista à agência Lusa.

“Havia uma edição crítica da obra de Camões que começou a ser publicada pela Imprensa Nacional Casa da Moeda em 1985, contudo nunca foi completada”, afirmou, acrescentando que esta será a primeira edição critica completa da obra camoniana alguma vez feita e que se prevê esteja concluída no final deste ano ou início do próximo.

Para já, foram publicados os sonetos, as redondilhas, as canções e esta edição de “Os Lusíadas”; as oitavas e as elegias estão a ser paginadas; faltam as odes e as éclogas.

Esta nova edição crítica de “Os Lusíadas” vem pôr fim a um antigo debate sobre as diferenças encontradas em exemplares da primeira edição, que tinham a mesma referência e que alegadamente teriam sido impressas no mesmo sítio e na mesma data.

No frontispício desses volumes de “Os Lusíadas” pode ler-se: “Impressos em Lisboa, com licença da Santa Inquisição, e do ordinário: em casa de António Gonçalvez Impressos. 1572”.

Acontece que havia diferenças entre estes exemplares, desde logo, na gravura que ornamenta a frontispício, encimada pela imagem de um pelicano, que numas cópias tem a cabeça voltada para a esquerda e noutras tem a cabeça virada para a direita, mas também no texto, na grafia e no papel.

Esta desigualdade criou um problema que tem atravessado os séculos e que a investigadora da Universidade de Coimbra e vice-diretora do CIEPG resolve e expõe nas quase mil páginas que perfazem os dois volumes da edição crítica de “Os Lusíadas”.

“Era uma questão que estava por esclarecer desde o início do século XVII e eu esclareci-a através da análise do grafismo, dos carateres tipográficos utilizados”, disse a investigadora.

Durante muito tempo prevaleceu a ideia de que havia uma edição única em cujas cópias foram inseridas correções, tendo sido o estudioso e critico camoniano Manuel de Faria e Sousa o primeiro a notar essas diferenças, no início do século XVII, e a apontar a possibilidade de existência de duas edições.

Contudo, só no século XIX é que a hipótese de haver uma contrafação é posta em cima da mesa, mas o debate tem-se sucedido sem nunca ter sido possível apresentar provas concretas que sustentassem essa teoria.

“Esta questão das diferenças dos livros de ‘Os Lusíadas’ com a data de 1572 nunca tinha sido aprofundadamente estudada numa lógica de materialidade: observar o livro e verificar como é que os exemplares são”.

Rita Marnoto mergulhou no estudo de um significativo conjunto de exemplares datados de 1572, e percebeu que em alguns exemplares tinham sido utilizadas ligaduras tipográficas – peças que unem duas letras, facilitando o trabalho ao tipógrafo, poupando-o ao trabalho de tirar dois tipos da caixa, um a um -, mas que noutros, nunca tinham sido usadas ligaduras.

Outro aspeto relevante diz respeito às capitulares, as letras que iniciam os capítulos, ornamentadas e de tamanho maior do que as restantes.

Em “Os Lusíadas” são usadas 11 capitulares, uma no início do alvará e dez no início de cada canto, impressas com uma espécie de carimbos de madeira, explica a investigadora, indicando ter verificado que em alguns exemplares, as capitulares estão mais desgastadas, o que resulta do facto de a madeira ser um material frágil, sujeito à pressão da prensa.

Além disso, já se tinha descoberto que o papel usado em alguns exemplares fora fabricado em 1580/81, o que confluiu igualmente para comprovar a teoria da existência de uma contrafação: a edição com a cabeça do pelicano virada para a esquerda, com o papel anterior a 1572, com as capitulares menos desgastadas e com o texto composto sem recurso a ligaduras tipográficas é a edição ‘princeps’ de “Os Lusíadas”. A outra edição, com a cabeça do pelicano para a direita, é uma imitação, ou seja, uma contrafação.

“Faria e Sousa tinha razão, quando disse que tinha havido duas edições com as mesmas referências. Sob este ponto de vista objetivo eu distingui dois grupos de exemplares, um fabricado, escrito e impresso em 1572 e outro grupo de exemplares que foram produzidos depois de 1572”.

Atualmente conhecem-se 50 exemplares com data de 1572, dispersos pelo mundo, dois terços dos quais são os originais e um terço de contrafação.

Os exemplares originais de “Os Lusíadas” existentes em Portugal encontram-se na Biblioteca da Universidade de Coimbra (um), na Fundação Sarmento (um), em Guimarães, e na Biblioteca Nacional de Portugal (três e um incompleto), em Lisboa.

Entre os países que dispõem de exemplares nas suas bibliotecas, universidades ou fundações, contam-se Espanha, França, Brasil, Alemanha e Estados Unidos.

Por enquanto, esta obra, intitulada “Luís de Camões. Os Lusíadas. Edição crítica da princeps”, só está editada na Suíça, mas a autora projeta editá-la em Portugal, juntamente com toda a restante obra critica de Camões, que está a ser trabalhada com outros investigadores do CIEPG.

Este ano assinalam-se os 500 anos do nascimento de Luís de Camões.

// Lusa

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