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Cometa da Rosetta esculpido por stress

ESA/Rosetta/NavCam

Imagem melhorada da NavCam e obtida dia 27 de março de 2016, quando a Rosetta estava a 329 km do núcleo do Cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko. A escala é de 28m/pixel e a imagem mede 28,7 km de comprimento.

Está stressado(a)? Não está sozinho(a). A missão Rosetta da ESA revelou que o stress geológico decorrente da forma do Cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko tem sido um processo chave na escultura da superfície e do interior do cometa após a sua formação.

Os cometas pequenos e gelados com dois lóbulos distintos parecem ser comuns no Sistema Solar, um possível modo de formação sendo uma colisão lenta de dois objetos primordiais nos estágios iniciais de formação, há 4,5 mil milhões de anos.

Um novo estudo que usa dados recolhidos pela Rosetta durante os seus dois anos no Cometa 67P/C-G iluminou os mecanismos que contribuíram para moldar o cometa ao longo dos milhões de anos seguintes. Os investigadores usaram modelagem de stress e análises tridimensionais de imagens obtidas pela câmara de alta resolução OSIRIS da Rosetta para estudar a superfície e o interior do cometa.

“Encontrámos redes de falhas e fraturas que penetram a 500 metros de profundidade e que se estendem por centenas de metros,” diz o autor principal Christopher Matonti da Universidade Aix-Marseille, na França.

“Estas características geológicas foram criadas por tensão de cisalhamento, uma força mecânica vista frequentemente em ação em sismos ou glaciares na Terra e noutros planetas terrestres, quando dois corpos ou blocos se empurram e se movem um junto ao outro em direções diferentes. Isto é extremamente empolgante: revela muito sobre a forma e estrutura interna do cometa, e como mudou e evoluiu ao longo do tempo.”

O modelo desenvolvido pelos investigadores descobriu que a tensão de cisalhamento atinge o pico no centro do “pescoço” do cometa, a parte mais fina do astro que liga os dois lóbulos. “É como se o material em cada hemisfério estivesse a puxar e a separar-se, contorcendo a parte do meio – o pescoço – e fazendo com que fique mais fino através da erosão mecânica resultante,” explica o coautor Olivier Groussin, da mesma universidade.

“Nós pensamos que este efeito surgiu originalmente por causa da rotação do cometa, combinada com a sua forma inicial assimétrica. Formou-se um binário (torque) onde o pescoço e a “cabeça” se encontram à medida que estes elementos protuberantes se torcem em redor do centro de gravidade do cometa.”

As observações sugerem que a tensão de cisalhamento atuou globalmente no cometa e, crucialmente, em torno do seu pescoço. O facto de que as fraturas podem propagar-se tão profundamente em 67P/C-G também confirma que o material que compõe o interior do cometa é frágil, algo que não estava claro antes.

“Nenhuma das nossas observações pode ser explicada por processos térmicos,” acrescenta o coautor Nick Attree da Universidade de Stirling, no Reino Unido. “Só fazem sentido quando consideramos uma tensão de cisalhamento que atua sobre todo o cometa e especialmente no seu pescoço, deformando-o, danificando-o e fraturando-o ao longo de milhares de milhões de anos.”

A sublimação, o processo de transformar gelo em vapor, que resulta na libertação de poeira cometária para o espaço, é outro processo bem conhecido que pode influenciar a aparência de um cometa ao longo do tempo. Em particular, quando um cometa passa mais perto do Sol, aquece e perde os seus gelos mais depressa – talvez melhor visualizado nalgumas das explosões mais dramáticas captadas pela Rosetta durante a sua estadia em redor do Cometa 67P/C-G.

Os novos resultados mostram como os cometas de lóbulo duplo evoluíram ao longo do tempo. Pensa-se que os cometas tenham sido formados nos primeiros dias do Sistema Solar e que estejam armazenados em vastas nuvens na fronteira exterior antes de começarem a sua viagem para o interior. Teria sido durante esta fase inicial de “construção” do Sistema Solar que 67P/C-G obteve a sua forma inicial.

O novo estudo indica que, mesmo a grandes distâncias do Sol, a tensão de cisalhamento agiria ao longo de uma escala de tempo de milhares de milhões de anos após a formação, enquanto a erosão por sublimação “toma as rédeas” em escalas de tempo mais curtas (milhões de anos) para continuar a moldar a estrutura do cometa – especialmente na região do pescoço que já estava enfraquecida pela tensão de cisalhamento.

A sonda New Horizons da NASA transmitiu recentemente imagens do seu “flyby” por Ultima Thule, um objeto transneptuniano localizado na Cintura de Kuiper, um reservatório de cometas e outros corpos menores na periferia do Sistema Solar.

Os dados revelaram que este objeto também tem uma forma de lóbulo duplo, embora um pouco achatada em relação ao cometa da Rosetta. “As semelhanças em forma são promissoras, mas as mesmas estruturas de stress não parecem ser tão aparentes em Ultima Thule,” comenta Christophe.

À medida que imagens mais detalhadas são transmitidas e analisadas, só o tempo dirá se passou, ou não, por uma história similar à de 67P/C-G.

“Os cometas são ferramentas cruciais para aprender mais sobre a formação e evolução do Sistema Solar,” diz Matt Taylor, cientista do projeto Rosetta da ESA.

“Só explorámos ainda alguns cometas com naves, e 67P é de longe o que vimos com mais detalhe. A Rosetta está a revelar muito sobre estes misteriosos visitantes gelados e, com o resultado mais recente, podemos estudar as orlas exteriores e os primeiros dias do Sistema Solar de uma forma que nunca pudemos alcançar antes.”

// CCVAlg

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