Numa conferência de imprensa, os líderes do SPD, FDP e Verdes apresentaram o acordo de coligação. Entre uma postura ambiental mais ambiciosa na Europa e um Ministro das Finanças que quer apertar o cinto, já há uma ideia do que esperar do novo governo pós-Merkel.
“O semáforo está aí“. Foi assim que Olaf Scholz, o próximo chanceler da Alemanha, anunciou que a viragem da página Merkel e a nova coligação “semáforo” que vai governar o país, assim chamada devido às cores dos partidos que a integram.
Depois de 16 anos dos conservadores da CDU a decidir os destinos do país, é agora a vez do Partido Social Democrata (SPD), que venceu as eleições, se unir aos Verdes e ao Partido Liberal Democrata (FDP) na governação da Alemanha.
A proposta de coligação ficou logo clara no rescaldo das eleições de Setembro, e depois de alguns meses de negociações, os representantes dos três partidos anunciaram oficialmente que tinham chegado a acordo numa conferência de imprensa na quarta-feira.
“Não é um governo de um mínimo denominador comum, mas de grande impacto” nas áreas do clima ou na modernização da indústria, declarou Scholz.
O acordo de coligação tem agora de ser aprovado internamente pelos três partidos nas conferências do SPD e FDP e em referendo nos Verdes.
A aprovação final deve estar pronta num prazo de dez dias e ainda não são conhecidos todos os ministros.
O que esperar na saúde, economia e ambiente
Os líderes partidários adiantaram também já algumas das medidas e compromissos a que já chegaram.
Após as formalidades, o primeiro foco da conferência de imprensa caiu na pandemia, especialmente devido aos números preocupantes registados no país nas últimas semanas, com recordes de infecções, internamentos e mortes a ser batidos. A relutância relativamente à vacinação está também a causar danos.
O líder do SPD promete que o novo executivo vai lutar de imediato para conter a quarta vaga do vírus, mas não adiantou nada muito específico.
De acordo com a imprensa alemã, a pandemia foi também a questão mais difícil nas negociações, com nenhum dos partidos a querer assumir a responsabilidade do Ministério da Saúde devido à antecipação das escolhas difíceis que podem vir a ser feitas para controlar a covid, especialmente uma possível vacinação obrigatória.
No final das contas, acabou por ser o SPD a ficar com o Ministério da Saúde.
No plano económico, uma das maiores promessas eleitorais de Scholz vai mesmo ser cumprida e o salário mínimo nacional vai subir para 12 euros por hora. Esta medida vai beneficiar 10 milhões de trabalhadores, especialmente nas áreas mais pobres do nordeste da Alemanha, onde o SPD obteve bons resultados eleitorais.
A subida do ordenado mínimo era também uma proposta dos Verdes, que ficaram em terceiro nas eleições, depois do SPD e da CDU, tendo alcançado 15% dos votos e o seu melhor resultado de sempre.
O travão ao crescimento da dívida, que foi suspenso devido à crise causada pela pandemia, deve regressar em 2023.
Sociais-democratas e Verdes estavam também em acordo sobre a reintrodução de um imposto sobre as grandes riquezas, mas a medida caiu nas negociações devido à oposição dos liberais, que tiveram 11,5% dos votos.
Espera-se também que alguns dos projectos de investimento mais ambiciosos desejados pelo SPD e pelos Verdes possam não se concretizar na totalidade, visto que Christian Lindner, líder do FDP, vai assumir a pasta das Finanças. No entanto, Habeck garantiu que “sabemos o que queremos e como vamos pagar“.
O analista Lucas Guttenber, também não concorda com antecipação de que as políticas económicas de direita de Lindner possam causar conflitos internos ou levar a um aperto do cinto orçamental no plano europeu.
O especialista sublinha que não há nenhuma “linha vermelha” traçada no acordo para a formação do novo governo e que o documento apenas define três objectivos — “assegurar o crescimento, salvaguardar a sustentabilidade da dívida e fomentar investimento verde”. “Isto é muito importante”, refere.
Em resposta à emissora ZDF, Lindner mostrou-se cauteloso em relação à dívida, mas também se diz ciente das responsabilidades da Alemanha na manutenção da coesão europeia e do euro e de que os outros países também têm de conseguir investir.
Já a nível do ambiente, nota-se uma influência dos ecologistas. O país criou um novo cargo de um “super-ministro” que junta as pastas do clima, energia e economia, assim como do ambiente e agricultura.
Robert Habeck, co-líder dos Verdes, vai assumir este novo papel governamental e poder assim aplicar a agenda ambiental mais ambiciosa que o partido reclamou como urgente na campanha eleitoral, especialmente dadas as divergências passadas entre as pastas do ambiente e da economia.
O acordo de coligação refere que a última central a carvão na Alemanha vai ser fechada até 2030, oito anos mais cedo do que o governo anterior da CDU tinha prometido. Até 2030, a ambição é também de que 80% da energia do país seja proveniente de fontes renováveis.
O uso do gás para a produção de energia vai também acabar até 2040. As caldeiras a gás vão ser banidas nos novos edifícios e as existentes vão ser substituídas até 2030.
A pastas dos transportes vai ficar nas mãos do FDP, o que vai acabar de vez com a esperança da introdução de um limite de velocidade nas auto-estradas alemãs.
Europa fica na mesma, mas relações com a Rússia e a China podem azedar mais
A nível da posição alemã na União Europeia, não se antecipam muitas mudanças em relação do governo de Merkel, apesar dos receios dos países da periferia do sul e do leste de que Lindner possa trazer de volta os fantasmas da austeridade.
A coligação promete que a Alemanha tem de continuar a ser uma “âncora de estabilidade” na Europa, mas sublinha vagamente a necessidade de haver “finanças sólidas” e um “uso frugal do dinheiro dos contribuintes“.
Os Verdes conseguiram o direito de nomear o comissário europeu do país quando a presidente da comissão já não for da Alemanha, visto que a actual líder Ursula von der Leyen é alemã.
Já fora da UE, a nova Ministra dos Negócios Estrangeiros promete adoptar uma postura mais dura contra a Rússia e a China.
Annalena Baerbock, dos Verdes, garante que vai haver um maior foco na democracia e nos direitos humanos nestes países e menor no Wandel durch Handel — uma postura que encoraja a democratização através das relações económicas.