O Universo está a expandir-se a um ritmo acelerado e os cientistas ainda não sabem porquê. A causa da aceleração, apelidada de energia escura, continua a ser um mistério.
Este fenómeno parece contradizer tudo o que os investigadores compreendem sobre o efeito da gravidade no cosmos: é como se se atirasse uma maçã para o ar e ela continuasse para cima, cada vez mais depressa.
Um novo estudo pelo levantamento internacional DES (Dark Energy Survey), com o Telescópio Victor M. Blanco no Chile, marca o esforço mais recente para determinar se tudo isto é simplesmente um mal-entendido: que as expetativas de como a gravidade funciona à escala de todo o Universo são defeituosas ou estão incompletas.
Este potencial mal-entendido pode ajudar os cientistas a explicar a energia escura. Mas o estudo — um dos testes mais precisos até agora da teoria da gravidade de Einstein à escala cósmica — conclui que o entendimento atual parece estar correto.
Os resultados foram apresentados na passada quarta-feira, dia 23 de agosto, na Conferência Internacional sobre Física de Partículas e Cosmologia (COSMO’22) no Rio de Janeiro. O trabalho ajuda a preparar o palco para dois telescópios espaciais que irão sondar a nossa compreensão da gravidade com uma precisão ainda maior do que o novo estudo e talvez finalmente resolver o mistério.
Há mais de um século, Albert Einstein desenvolveu a sua Teoria da Relatividade Geral para descrever a gravidade e até agora tem previsto tudo com precisão tudo desde a órbita de Mercúrio até à existência de buracos negros.
Mas se esta teoria não consegue explicar a energia escura, alguns cientistas argumentaram, então talvez precisem de modificar algumas das suas equações ou acrescentar novos componentes.
Para descobrir se é esse o caso, os membros do DES procuraram evidências de que a força da gravidade tem variado ao longo da história do Universo ou ao longo de distâncias cósmicas. Uma descoberta positiva indicaria que a teoria de Einstein está incompleta, o que poderia ajudar a explicar a expansão acelerada do Universo.
Também examinaram dados de outros telescópios, além do Blanco, incluindo o satélite Planck da ESA, e chegaram à mesma conclusão. O estudo conclui que a teoria de Einstein ainda funciona. Portanto, ainda não há explicação.
Mas esta investigação irá alimentar duas próximas missões: a missão Euclid da ESA, com lançamento previsto para não antes de 2023, e o Telescópio Espacial Nancy Grace Roman da NASA, com lançamento calendarizado o mais tardar para maio de 2027. Ambos os telescópios vão procurar alterações na força da gravidade ao longo do tempo ou da distância.
Como é que os cientistas sabem o que aconteceu no passado do Universo? Olhando para objetos distantes. Um ano-luz é uma medida da distância que a luz pode percorrer num ano (cerca de 9,5 biliões de quilómetros).
Isso significa que um objeto a um ano-luz de distância aparece-nos como era há um ano atrás, quando a luz deixou o objeto pela primeira vez.
E as galáxias a milhares de milhões de anos-luz de distância aparecem-nos como eram há milhares de milhões de anos. O novo estudo analisou galáxias que remontam há cerca de 5 mil milhões de anos. O telescópio Euclid vai mergulhar nas galáxias de há 8 mil milhões de anos, e o Roman vai olhar para trás 11 mil milhões de anos.
As galáxias, propriamente ditas, não revelam a força da gravidade, mas sim o seu aspeto quando vistas da Terra. A maioria da matéria no nosso Universo é matéria escura que não emite, não reflete nem interage de outra forma com a luz.
Embora os cientistas não saibam do que é feita, sabem que está lá, porque a sua gravidade o demonstra: grandes reservatórios de matéria escura no nosso Universo distorcem o próprio espaço.
À medida que a luz viaja pelo espaço, encontra estas porções de espaço deformado, fazendo com que as imagens de galáxias distantes pareçam curvadas ou desfocadas. Isto foi exposto numa das primeiras imagens divulgadas pelo Telescópio Espacial James Webb da NASA.
Os cientistas do DES procuram imagens de galáxias para obter distorções mais subtis devido à matéria escura que “dobra” o espaço, um efeito chamado lente gravitacional fraca. A força da gravidade determina o tamanho e a distribuição das estruturas de matéria escura, e o tamanho e a distribuição por sua vez determinam a forma como essas galáxias nos parecem deformadas.
É assim que as imagens podem revelar a força da gravidade a diferentes distâncias da Terra e em alturas diferentes ao longo da história do Universo. O grupo mediu agora as formas de mais de 100 milhões de galáxias e, até agora, as observações correspondem ao que é previsto pela teoria de Einstein.
“Ainda há espaço para desafiar a teoria da gravidade de Einstein, à medida que as medições se tornam cada vez mais precisas”, disse a coautora Agnès Ferté, que realizou esta pesquisa como investigadora pós-doutorada no JPL.
“Mas ainda temos muito a fazer antes de estarmos prontos para o Euclid e para o Roman. De modo que é essencial que continuemos a colaborar com cientistas de todo o mundo neste problema, tal como temos feito com o DES”.
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