O impacto humano sobre a química e o clima da Terra abreviou a época geológica de 11.700 anos conhecida como Holoceno e apressou a entrada numa nova era, o Antropoceno, anunciou esta segunda-feira um grupo de cientistas.
O início do Antropoceno, ou “nova idade do Homem”, será fixado em meados do século XX se a recomendação que os investigadores apresentaram esta segunda-feira no Congresso Geológico Internacional, na Cidade do Cabo, África do Sul, for adotada.
É provável que o processo de aprovação leve pelo menos dois anos e requeira ratificação de mais três equipas de académicos.
O próprio grupo de trabalho que apresentou a recomendação, composto por 35 elementos, levou sete anos de deliberação até reconhecer por unanimidade o Antropoceno como uma realidade e aprovou com 30 votos a favor, três contra e duas abstenções a decisão de que a transição deverá ser oficialmente registada.
“Segundo o nosso modelo de trabalho, o limite ideal é em meados do século XX“, disse Jan Zalasiewicz, um geólogo da Universidade de Leicester.
“Se for adotado – e estamos muito longe disso -, o Holoceno termina e considerar-se-á formalmente que o Antropoceno já começou”, acrescentou.
A “Grande Aceleração”
Os cientistas referem-se ao período a partir de 1950 como a “Grande Aceleração“, e uma olhadela a gráficos que acompanham as numerosas alterações químicas e socioeconómicas torna óbvio porquê.
Concentrações no ar de dióxido de carbono, metano e ozono estratosférico; temperaturas à superfície, acidificação dos oceanos, esgotamento dos recursos da pesca marítima e perda de florestas tropicais; crescimento da população, construção de grandes barragens, turismo internacional – todos disparam a partir de meados do século XX.
Um dos principais culpados é o aquecimento global provocado pela queima de combustíveis fósseis.
Uma sintomática onda de disseminação de espécies animais e vegetais invasivas é também um legado da nossa espécie.
O grupo de trabalho não está autorizado, no entanto, a ter qualquer destes fatores em consideração a menos que apareçam em algum registo geológico.
Se não pode ser medido em rochas, sedimentos lacustres, calotas de gelo ou outras formações que tais – os critérios usados para identificar dezenas de eras, períodos e épocas que remontam a quatro mil milhões de anos -, então, não conta.
Isto, contudo, não é um problema quando se trata do Antropoceno, indicou Zalasiewicz.
“Temos muito por onde escolher: há todo um manancial de potenciais sinais por aí”, disse à agência de notícias francesa AFP.
Os microplásticos, por exemplo – uma substância sintética, feita pelo homem – “são agora componentes do sedimento existente em todo o mundo, tanto na terra como no mar”, apontou.
E o aumento do dióxido de carbono atmosférico está patente em calotas de gelo com dezenas de milhares de anos.
Mudanças passadas na biosfera – o reino dos seres vivos – ficam registadas em sedimentos e rochas, especialmente indícios de extinções em massa, quando até 95% de todas as formas de vida desapareceram num piscar de olhos geológico.
O desaparecimento dos dinossauros sem asas, no final do período Cretáceo é um desses marcos, embora longe de ser o mais dramático.
Ambiente
O termo “Antropoceno” – pela primeira vez proposto em 2002 pelo prémio Nobel da Química Paul Crutzen – tem sido adotado por ambientalistas como palavra de ordem nos protestos contra a expansão do setor petrolífero.
A demarcação, no entanto, é vista por alguns conservadores como um pretexto para o que consideram serem políticas agressivas de asfixia económica para combater as alterações climáticas.
Em relação à forma que tomarão as provas da existência desta nova idade geológica do planeta Terra, Zalasiewicz disse que ainda é muito cedo para saber, embora acrescentando que “o coral de crescimento rápido forma um arquivo em camadas que captura bem a química”.
Para definir o início do Holoceno, os cientistas escolheram uma amostra retirada de uma calota de gelo, em 2003, do lençol de gelo do centro da Gronelândia, com as coordenadas 75,1ºN/42,32ºW.
O pedaço de gelo está arquivado num armário frigorífico na Universidade de Copenhaga.
ZAP / Lusa