Um novo estudo observou que os cangurus selvagens tendem a usar mais os membros esquerdos na realização de tarefas comuns como recolha ou alimentação.
Os investigadores afirmam tratar-se da primeira demonstração de preferência manual em grupo de uma espécie de animal não-humano, depois de observaram os animais na selva durante várias horas. Os seres humanos, na sua maioria, são destros.
Duas espécies de cangurus e uma de wallaby demonstraram uma tendência para o uso das patas esquerdas, ao contrário de outros marsupiais quadrúpedes, que não apresentaram a mesma propensão.
O estudo, publicado na revista científica Current Biology, foi realizada por cientistas da Universidade Estadual de São Petersburgo que viajaram à Austrália para fazer o trabalho de campo.
No país, eles tiveram a ajuda de Janeane Ingram, uma ecologista especializada em vida selvagem e investigadora da Universidade da Tasmânia, que afirmou à BBC que o trabalho foi alvo de desconfiança dos próprios cientistas.
“Infelizmente, até meus próprios colegas acham que o estudo do uso dos membros esquerdos em macrópodes não é um assunto sério, mas qualquer pesquisa que prove a preferência manual em outras espécies bípedes contribui para o estudo da simetria do cérebro e da evolução dos mamíferos“, explicou.
Segundo o investigador Yegor Malashichev, havia uma “noção generalizada” de que a preferência manual era unicamente um fenómeno humano, até que estudos dos últimos 10 a 20 anos mostraram que a assimetria no comportamento e a estrutura do cérebro eram, surpreendentemente, muito difundidas no mundo animal.
“Como um dos nossos especialistas destacou, a preferência manual é também óbvia na forma como os papagaios agarram a comida ou como os cães dão a pata”, disse Ingram. “Mas esses exemplos ainda não foram comprovados a nível populacional”.
“Evolução paralela”
O novo estudo identificou uma tendência consistente no uso das patas esquerdas entre os cangurus cinzas, cangurus vermelhos e wallabies de pescoço vermelho – independentemente da forma como os animais se alimentavam, pulavam ou se limpavam.
Segundo Malashichev, pela primeira vez “não estamos sozinhos no Universo, somos dois – humanos e cangurus – destros e canhotos“.
Ele e a sua equipa sugeriram que a descoberta é um exemplo de “evolução paralela”, já que a tendência em usar um lado do corpo em detrimento do outro parece ter surgido em primatas, que pertenciam ao grupo dos mamíferos placentários, assim como nos marsupiais no novo estudo, mas não em animais próximos dos dois ramos da árvore evolutiva.
Os investigadores também argumentam que a postura é um fator importante. A tendência para o uso da pata esquerda era apenas observada em espécies que ficam de pé sobre as patas traseiras, usando as patas dianteiras com mais regularidade para outras tarefas que não andar.
De modo semelhante, sugerem os investigadores, a transição para uma postura ereta talvez tenha sido a chave para que os primatas desenvolvessem a preferência manual.
Ainda não se sabe, contudo, se há aspectos específicos do cérebro dos marsupiais que permitiram o desenvolvimento da preferência manual – e se esses fatores podem explicar porque é que os cangurus, diferentemente dos humanos predominantemente destros, tendem a ser canhotos.
ZAP / BBC