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China não sabe onde começou a pandemia, mas tem uma certeza: Lá não foi

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Wu Hong / EPA

Vários cientistas chineses têm publicado artigos que afastam a teoria de que o SARS-CoV-2 teve origem na China. “Besteira”, considera o virologista britânico Edward Holmes. 

A pandemia de covid-19 atingiu o mundo de uma forma que certamente poucos esperavam quando surgiram as primeiras notícias nos jornais. Falava-se, então, de um vírus que tinha surgido em Wuhan, na China, que era facilmente transmissível entre humanos e que podia ser fatal.

Desde então, a China liderou uma campanha para erradicar o coronavírus do país, de forma a afastar qualquer tipo de associação entre os dois.

Em setembro do ano passado, uma equipa de 21 dos melhores cientistas chineses levou a cabo uma enorme inspeção aos vírus de morcegos na China.

Os investigadores apanharam mais de 17.000 morcegos, do sul ao nordeste do país, e testaram-nos à SARS-CoV-2 e outros vírus semelhantes. Não encontraram nenhum.

Os cientistas sugeriram que, para identificar as raízes da pandemia, uma investigação extensiva a morcegos deveria ser feita na Península da Indochina.

“Não acredito nem por um segundo”, diz Alice Hughes, bióloga conservacionista da Universidade de Hong Kong, citada pela revista Science.

Entre maio de 2019 e novembro de 2020, a sua própria equipa tinha analisado 342 morcegos do Jardim Botânico Tropical Xishuangbanna e encontrou quatro vírus relacionados ao SARS-CoV-2. Os resultados do estudo foram publicados, em junho de 2021, na revista Cell.

Edward Holmes, coautor do artigo da Cell, descreveu o artigo chinês com uma única palavra: “Besteira”. Sem revisão de pares, o artigo dos investigadores chineses não foi publicado em nenhuma revista, embora esteja disponível online.

O estudo vai de encontro à teoria de Pequim, que rejeita a ideia de que o SARS-CoV-2 teve origem no Instituto de Virologia de Wuhan (WIV) e escapou de lá para o resto do mundo.

Além disso, rejeita também a teoria que muitos acreditam ser a mais provável: a pandemia começou na China com um vírus que saltou naturalmente de morcegos para uma espécie “intermediária” e depois para humanos, provavelmente no mercado de Huanan, em Wuhan.

Embora inicialmente não tenha descartado esta hipótese, Pequim defende agora que o SARS-CoV-2 poderá ter chegado a Wuhan de fora, através de alimentos congelados contaminados ou estrangeiros infetados.

“A China simplesmente não quer ficar mal na fotografia”, diz Filippa Lentzos, do King’s College London. “Eles precisam de manter uma imagem de controlo e competência. E é isso que passa por tudo o que eles fazem”.

Jesse Bloom, virologista do Fred Hutchinson Cancer Research Center, argumenta que “a ideia de que a pandemia não teve origem na China é inconsistente com tantas outras coisas”. Quando se eliminam as hipóteses “absurdas”, explica Bloom, a resposta é só uma: Wuhan.

Ainda assim, investigadores chineses continuam a publicar uma série de artigos científicos que contribuem para a ideia que o SARS-CoV-2 surgiu “em qualquer lugar menos aqui”.

“Não representamos o Governo ou qualquer outra pessoa”, escreve Wu Zhiqiang, autor de um artigo que está sob revisão de pares. “Nós apenas nos baseamos nos nossos dados, e todos os nossos dados são de acesso aberto”.

Até ao momento, mais de duas dúzias de artigos de cientistas chineses sugeriram que o vírus veio de outro lugar que não a China. Muitos deles exploraram a hipótese dos alimentos congelados importados.

Daniel Costa, ZAP //

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