Entre o “Bolsonaro chileno” e o rosto dos protestos. Chile polarizado vai à segunda volta

Alberto Valdes / EPA

José Antonio Kast, do Partido Republicano, e Gabriel Boric, que lidera a candidatura de uma aliança de esquerda, que inclui o Partido Comunista, vão disputar a segunda volta das presidenciais no Chile.

Os dois favoritos na corrida não poderiam ser mais distintos: de um lado José Antonio Kast, um antigo deputado conservador, admirador de Pinochet e conhecido como “Bolsonaro chileno”; do outro Gabriel Boric, um ex-líder estudantil, rosto dos movimentos de protesto.

De acordo com o Diário de Notícias, os primeiros resultados das eleições deste domingo confirmam a tendência que as sondagens já apontavam e indicam que, a 19 de dezembro, os dois candidatos vão enfrentar a segunda volta.

Com quase 60% dos votos contados, Kast tinha 28,5% dos votos e Boric tinha 24,7%, mas à medida que os votos são contados tem vindo a diminuir a diferença entre os dois.

O sucessor do presidente Sebastián Piñera toma posse a 11 de março.

O DN informa que os outros cinco candidatos estavam a uma distância de mais de dez pontos percentuais: Franco Parisi, que está radicado nos EUA e fez a campanha à distância, tinha 13,5% dos votos; Yasna Provoste, da aliança de centro-esquerda herdeira da Concertação que elegeu Michelle Bachelet, tinha 12,2%; Sebastián Sichel, o candidato da coligação de centro-direita no poder, tinha  12,1%; Marco-Enríquez-Ominami tinha 7,6%; e Eduardo Artés 1,4%.

Estas são as quartas eleições realizadas desde outubro de 2020 no Chile e é a primeira vez, desde o regresso à democracia em 1990, que os partidos tradicionais de centro-esquerda e de centro-direita não passaram à segunda volta das presidenciais.

Uma inflação galopante, um sistema de pensões descapitalizado e uma desigualdade acentuada pela pandemia são os principais desafios colocados ao próximo Presidente, num país mergulhado há dois anos na mais grave crise das últimas três décadas.

Apesar de encarado como um dos países mais estáveis da América Latina, o Chile era, segundo alguns especialistas, uma verdadeira “panela de pressão”: a desigualdade e a impunidade da elite empresarial e política envolvida em múltiplos casos de corrupção e abusos geraram um mal-estar que desembocou em protestos em outubro de 2019.

A gota de água foi o aumento dos transportes públicos, e o resultado foram ondas de maciças manifestações em todo o país a partir de 18 de outubro, que se saldaram em 30 mortos, centenas de pessoas que perderam a visão (os chamados ‘mutilados oculares’), atingidas por balas de borracha nos olhos por polícias e militares que reprimiam os protestos, e milhares de outros feridos.

A solução institucional proposta pelos partidos políticos, fazendo eco das principais exigências dos manifestantes, em concentrações com mais de dois milhões de pessoas, foi a Convenção Constitucional, organismo encarregado de elaborar a nova lei fundamental que substituirá a vigente, herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).

A Convenção Constitucional, que iniciou as suas funções a 4 de julho e está a trabalhar arduamente para redigir antes de julho do próximo ano uma nova Constituição que consagre a solidariedade do Estado, é composta por 155 delegados – na maioria, cidadãos progressistas -, entre os quais se incluem, pela primeira vez na história do país, 17 representantes dos dez povos indígenas.

ZAP // Lusa

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