Não, não somos os únicos simpáticos. Os chapins japoneses são exemplo para muitos: cedem passagem com as asas — com uma reviravolta moderna no cavalheirismo.
“Faça favor”, “força”, “pode passar” — ou um irónico “de nada” se não nos agradecerem. São várias as formas de mostrar a nossa intenção de deixar passar alguém primeiro. Por vezes, nem são precisas palavras, como no trânsito, em que uma “varridela” no ar com a mão tem o mesmo efeito.
Até hoje achámos que tal cortesia, que faz parte do nosso caráter e educação, nos era exclusiva, a par dos grandes símios, mas mais uma vez o ser humano foi pretensioso e subestimou o reino animal.
Uma descoberta recente da Universidade de Tóquio vem desafiar esta crença de longa data ao mostrar que o chapim japonês (Parus minor) recorre ao movimento das asas como forma de comunicação gestual para sinalizar o típico e educado convite para que outro proceda primeiro.
Contrariando o cavalheirismo tradicional dos humanos, o gesto simpático foi mais frequente nas fêmeas e levou os machos a aceitar o convite, entrando primeiro no ninho; quando as fêmeas não agitaram propositadamente as asas, os machos foram os últimos a entrar.
“Ficámos surpreendidos ao descobrir que os resultados foram muito mais claros do que esperávamos. Observámos que os chapins-reais japoneses esvoaçam as suas asas exclusivamente na presença do seu parceiro, e ao testemunhar este comportamento, o parceiro quase sempre entrou na caixa-ninho primeiro,” disse um dos líderes do estudo, Toshitaka Suzuki, citado pelo Phys.Org.
A investigação, publicada esta segunda-feira na Science Daily, acompanhou o comportamento de 16 chapins japoneses (oito pares reprodutores) e descobriu que estas aves usam gestos de esvoaçar as asas para determinar a ordem pela qual entram na sua caixa-ninho durante os momentos de alimentação. E não só o fazem como nós fazemos no trânsito, mas também constroem frases, com regras sintáticas.
“Há mais de 17 anos que estudo estas aves fascinantes”, diz Suzuki. Elas “não só usam chamamentos específicos para transmitir significados particulares, mas também combinam diferentes chamamentos em frases usando regras sintáticas”, acrescenta.
O facto de este tipo de comunicação gestual ser dirigida ao parceiro e não à caixa-ninho prova que não é um gesto díctico (que aponta objetos ou localizações), mas cumpre outros critérios que a consideram simbólica: termina quando o parceiro entra no ninho e é realizada sem contacto físico — depende exclusivamente de pistas visuais.
Asas livres, coração quente
O estudo especula ainda sobre a evolução da comunicação gestual e traça paralelismo muito interessante entre a libertação das mãos humanas através do bipedismo e a libertação das asas dos pássaros enquanto pousam, que pode facilitar o desenvolvimento de comportamentos como a sinalização da cedência de passagem.
“Há uma hipótese de que andar em duas pernas permitiu aos humanos manter uma postura ereta, libertando as suas mãos para uma maior mobilidade, o que, por sua vez, contribuiu para a evolução dos gestos. De forma semelhante, quando as aves pousam nos ramos, as suas asas ficam livres, o que acreditamos que pode facilitar o desenvolvimento da comunicação gestual,” explicou Suzuki.
“Continuaremos a decifrar o que é que as aves estão a comunicar através de gestos, vocalizações e combinações. Este empreendimento não só nos permite descobrir o rico mundo das linguagens animais, como também serve como uma chave fundamental para desvendar as origens e a evolução da nossa própria linguagem”, concluiu.