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Há 100 anos, Cecilia mostrava-nos o “coração” das estrelas

Wikimedia Commons

Cecilia Payne-Gaposchkin

Desafiou as bases da astrofísica e lançou as que usamos ainda hoje, com apenas 25 anos, altura pela qual já  tinha descoberto uma verdade fundamental sobre o Universo.

Foi há 100 anos que a jovem britânica Cecilia Payne revolucionou a nossa compreensão das estrelas, quando revelou, em 1925, que elas são compostas predominantemente por hidrogénio e hélio na sua tese de doutoramento, desafiando os pressupostos científicos e lançando assim as bases da astrofísica moderna com apenas 25 anos de idade.

Nascida em Wendover, Inglaterra, Cecilia mostrou-se desde cedo interessada pela ciência, recorda o Museu da História Natural. Enquanto estudava na Universidade de Cambridge, inspirou-se na palestra do astrónomo Arthur Eddington sobre o eclipse solar de 1919, que confirmou a teoria da relatividade geral de Einstein. Foi Eddington que a ajudou a orientar-se para uma carreira em astronomia, praticamente inexistente até à data para mulheres, o que a levou a mudar-se para os Estados Unidos em 1923, altura em que aceitou uma bolsa de pós-graduação de Harlow Shapley, diretor do Observatório do Harvard College.

Em Harvard, a jovem astrónoma teve acesso à maior coleção do mundo de espectros estelares (chapas fotográficas que captam a propagação da luz das estrelas em forma de arco-íris). Estes espectros contêm “linhas de absorção”, que ocorrem quando os elementos da atmosfera de uma estrela absorvem comprimentos de onda específicos da luz.

Há muito que os cientistas sabiam que cada elemento químico tem um padrão único de linhas espectrais, mas muitos acreditavam que as estrelas partilhavam a composição elementar da Terra, com predominância de elementos pesados como o cálcio e o ferro.

Mas Payne olhou para os dados de forma diferente, empurrada pelo emergente campo da física quântica. Percebeu que o aparecimento de linhas espectrais dependia não só da presença de elementos, mas também dos seus estados de ionização — quantos electrões tinham sido retirados dos átomos devido a temperaturas elevadas.

Recorrendo a teorias recentes desenvolvidas pelo físico indiano M. N. Saha, concluiu que as variações nos espectros estelares se deviam em grande parte a diferenças de temperatura e não à composição química.

Na sua tese de doutoramento, calculou as abundâncias relativas de 18 elementos nas estrelas e mostrou que o hidrogénio e o hélio constituíam a grande maioria da massa estelar, enquanto os elementos mais pesados representavam menos de 2% — uma revelação estrondosa que veio contradizer o que se dava como certo até lá.

Os resultados foram classificados como “claramente impossíveis” pelo famoso astrónomo Henry Norris Russell, que reviu a sua tese e rejeitou-a. Alegadamente por pressão da comunidade científica, Payne chegaria a acrescentar um aviso na sua tese a dizer que as suas conclusões poderiam não ser exatas — mas rapidamente tudo mudou.

Após uma adaptação da tese, investigações posteriores confirmavam a descoberta da jovem britânica que tinha descoberto uma verdade fundamental sobre o Universo: o hidrogénio é o elemento mais abundante, não só na Terra, mas em todo o cosmos.

Cecilia não se ficou pela descoberta do “coração” das estrelas. Também terá contribuído para o estudo das estrelas variáveis em colaboração com o astrónomo russo Sergei Gaposchkin, com quem viria a unir laços em 1934. Mas, profissionalmente, o facto de ser mulher ainda a prejudicava.

Ao longo da década de 1930 e seguintes, Cecilia serviu Harvard como professora, mas sem ter esse título: era “assistente técnica” nos documentos oficiais.

Foi só em 1956 que Harvard a nomeou professora catedrática: foi a primeira mulher a receber a honra na prestigiada universidade. Mais tarde liderou o Departamento de Astronomia e em 1976 recebeu o Prémio Henry Norris Russell.

ZAP //

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