Missão da Casa da Música em perigo: “É uma barriga de aluguer”

Aviso de Pedro Burmester, que liderou o projecto da Casa da Música nos seus primeiros tempos. Liderança de António Jorge Pacheco já “passou de prazo”.

A Casa da Música atravessa uma fase conturbada, essencialmente em relação aos seus trabalhadores.

Desde 2020 têm sido repetidas queixas laborais, com alegada falta de condições, com relatos de situações precárias.

Há dois meses, e após denúncias de pressão e represálias por parte da instituição sobre funcionários que estão associados a sindicatos e que fazem greves, o conselho de administração da Fundação Casa da Música reagiu publicamente e negou esse cenário.

Quem também reagiu agora a esta situação foi Pedro Burmester, que esteve na fundação da Casa da Música, onde foi director do projecto.

Em entrevista ao jornal Público, o pianista explicou porque aceitou falar sobre este assunto: a missão da Casa da Música está em perigo.

“Houve um acumular de situações e de circunstâncias, que se prendem com o mal-estar interno que a Casa da Música passa cá para fora, e que a questão laboral veio de alguma forma pôr a nu. Mas aquilo que me faz agora falar é acreditar que o projecto artístico, ou a missão para a qual a Casa da Música foi criada, está em perigo”, começou por dizer.

Pedro não concorda com o número de eventos de música erudita que tem dominado a programação do ex-libris da zona da Boavista, no Porto. É um “desequilíbrio cada vez maior” entre a programação da música erudita e a da música não erudita, o que faz com que a Casa da Música “deixe de cumprir uma parte essencial da sua razão de existência”.

O pianista apresentou números: a música não erudita representava 33% ou 34% do orçamento, e neste ano representa cerca de 10%. É uma consequência, segundo Pedro, do facto de a direcção artística se ter “fechado cada vez mais sobre si própria e sobre as estruturas residentes”.

Pedro Burmester considera que a Casa da Música se transformou numa “barriga de aluguer”. E explicou porquê: “Desinvestiu-se na música não erudita e preencheu-se essa programação com aquilo que existe no mercado, tornando a Casa da Música numa espécie de barriga de aluguer”.

O músico sublinha que a direcção artística do espaço deveria “olhar para as diversas músicas da mesma forma”.

“A grande vantagem da Casa da Música em relação a projectos congéneres, cá dentro e lá fora, era poder fazer encomendas e desafiar artistas de todas as áreas musicais para criarem projectos originais, e isso perdeu-se completamente”, lamentou.

António Jorge Pacheco foi o seu sucessor, é o director artístico da Casa da Música. “Foi um trabalho muito bom e muito mau. Muito bom, por exemplo, na criação do Remix, que é em parte obra dele, como é dele o empenho e o trabalho na sua programação e na sua internacionalização. Excelente. Mas passou o prazo de validade” – António Jorge Pacheco está ligado à Casa da Música desde 1999 e é director artístico desde 2009.

Apesar do panorama complicado, Pedro Burmester garante que não vai voltar à Casa da Música: “Não seria bom”.

ZAP //

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