No Extremo Oriente russo, são realizadas cada vez mais cirurgias às pálpebras para alargar os olhos — um reflexo de questões mais profundas de identidade racial e normalização social.
A popularização da prática, particularmente significativa na República da Buriácia, envolve uma operação cirúrgica chamada blefaroplastia, que cria uma dobra na pálpebra que lhe dá uma aparência de “pálpebra dupla” mais larga.
Esta cirurgia cosmética é uma das mais comuns em todo o mundo, e a Rússia ocupa o terceiro lugar globalmente no número de cirurgias de pálpebras realizadas.
Com uma área de 351 km2, quatro vez mais do que Portugal, a Buriácia tem uma população de cerca de 900 mil habitantes — um décimo da portuguesa. E muitos destes habitantes passaram já pela cirurgia.
É o caso de Natalya Badmayeva, uma jovem advogada buriata entrevistada pelo portal russo independente Meduza, que pretendia mudar a forma dos seus olhos.
“Não conseguia parar de tremer”, conta Natalya, que tinha na altura 20 anos. “Fiz a operação clandestinamente, e demorou uma meia hora“.
O desejo de ter olhos mais largos não é apenas uma escolha estética pessoal, mas reflete acima de tudo uma profunda necessidade dos russos de leste de aproximação aos padrões de beleza europeus e, com isso, conseguir escapar ao marcante estigma de ter descendência asiática na Rússia.
A discriminação racial e uma necessidade de aproximação à cultura caucasiana predominante na Rússia são assim os principais estímulos que leva os russos de leste a realizar esta cirurgia.
Os russos de ascendência asiática, incluindo os buriatos, enfrentam frequentemente situações de racismo e xenofobia. A blefaroplastia é uma forma de integração — e uma arma contra a discriminação.
Foi o caso de Ivan Romanov. Após enfrentar situações complicadas no emprego devido à sua aparência, submeteu-se à cirurgia para parecer mais “europeu”.
No entanto, o procedimento não está isento de riscos e controvérsias. Algumas pessoas, como Natalya, tiveram que passar por várias cirurgias até alcançar o efeito desejado, com graus variados de satisfação.
Há quem rejeite totalmente a ideia de alterar cirurgicamente a aparência, como é o caso de Anna Tsyrenova, que questiona a necessidade de assimilação dos padrões de beleza externos.
A tendência também levanta questões sobre as pressões sociais mais amplas e os preconceitos raciais na Rússia. Apesar da popularidade da cirurgia, muitos optam por mantê-la em segredo, um reflexo da natureza sensível do assunto e dos conflitos internos que pode desencadear.
Alguns cientistas sociais consideram que a cirurgia plástica pode proporcionar uma sensação de controlo sobre a própria vida, especialmente quando as estruturas sociais parecem imutáveis.
No entanto, apontam também que estes padrões de beleza têm frequentemente também fortes conotações políticas, podendo eles próprios induzir ou reforçar outro tipo de atitudes racistas e xenófobas.
A tendência crescente de alterar a aparência através de cirurgias às pálpebras no Extremo Oriente russo é assim mais do que uma simples moda ou necessidade cosmética; reflete a complexa interação das identidades raciais, expectativas sociais e escolhas pessoais numa região que tenta lidar com a sua identidade multicultural.