Biden ameaça impor sanções aos colonos israelitas na Cisjordânia (mas pode já ser tarde demais)

Pete Marovich / EPA

Joe Biden

Biden está a assumir uma retórica mais dura com Israel, mas a mudança pode já vir tarde para os milhares de eleitores muçulmanos norte-americanos que deixaram de o apoiar.

Joe Biden orientou os altos funcionários da sua administração, incluindo o Secretário de Estado Antony Blinken e a Secretária do Tesouro Janet Yellen, a prepararem proibições de vistos e sanções contra os colonos israelitas na Cisjordânia que têm organizado ataques contra os palestinianos.

Esta diretiva faz parte de um esforço mais amplo da Casa Branca para ajudar os civis palestinianos, numa altura em que Joe Biden está sob pressão interna devido ao seu apoio incondicional a Israel.

De acordo com o Politico, o memorando sublinha que a violência dos colonos é uma séria ameaça à paz e um factor desestabilizador na região. Os alvos destas sanções abrangem indivíduos e entidades envolvidos em acções que ameacem a estabilidade da Cisjordânia, intimidação de civis, abusos dos direitos humanos ou obstrução significativa dos esforços para uma solução de dois Estados.

Recorde-se que já há várias décadas que Israel tem apoiado a construção de comunidades israelitas ilegais na Cisjordânia, que é internacionalmente reconhecido como território do Estado palestiniano. Hoje em dia, cerca de 700 mil israelitas vivem na Cisjordânia ocupada, com mais de 200 mil a viverem em Jerusálem Oriental.

Estes colonatos cresceram ainda mais durante o Governo do actual primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que incentiva os cidadãos a mudarem-se para a Cisjordânia através de apoios à habitação e benefícios fiscais.

Um relatório recente da ONG israelita Movimento pela Liberdade de Informação revela que, entre 2016 e 2019, o Governo de Israel gastou proporcionalmente 3,5 vezes mais dinheiro nos colonatos do que no resto do país.

Nas últimas semanas, com a escalada de violência na Faixa da Gaza na sequência do ataque do Hamas a 7 de Outubro, os confrontos também alastraram à Cisjordânia, com relatos de emboscadas a palestinianos e receios de que a região se torne uma nova frente da guerra.

O Yesh Din, um grupo de direitos israelita, avança que já morreram 197 palestinianos na Cisjordânia em ataques de colonos ou do exército israelita desde 7 de outubro. As Nações Unidas afirmam que, no mesmo período, pelo menos 121 famílias palestinas – cerca de 1150 pessoas, incluindo 452 crianças – foram deslocadas pela violência dos colonos e as restrições a bens essenciais.

Os incidentes de violência entre colonos também aumentaram de três por dia no início deste ano para sete. Cerca de 11 comunidades palestinianas foram completamente abandonadas só em 2023, de acordo com o Consórcio de Protecção da Cisjordânia, seis delas desde o ataque do Hamas.

Para além da ameaça das sanções, Biden também defendeu este sábado que as lideranças da Faixa de Gaza e da Cisjordânia devem ser reunificadas sob uma nova Autoridade Palestiniana, após Israel afastar o Hamas do poder.

“Enquanto lutamos pela paz, Gaza e a Cisjordânia devem ser reunidas sob uma única estrutura de governação, em última análise, sob uma Autoridade Palestiniana revitalizada, enquanto todos trabalhamos para uma solução de dois Estados. Uma solução de dois Estados é a única forma de garantir a segurança a longo prazo do povo israelita e palestiniano”, escreveu Biden num artigo no The Washington Post.

Netanyahu já respondeu ao apelo de Biden, rejeitando ceder o controlo da Faixa de Gaza à Autoridade Palestiniana. “A Autoridade Palestiniana, na sua forma actual, não é capaz de assumi a responsabilidade de Gaza. Depois de lutarmos e fazermos tudo isto, como é que lha podíamos dar”, respondeu o primeiro-ministro israelita.

Um defensor proeminente dos colonatos na Cisjordânia e membro do partido de Netanyahu está também a pressionar o primeiro-ministro a aproveitar a crise para criar colonatos em Gaza. Yossi Dagan, uma figura influente da extrema-direita de Israel, defende que Israel volte a ocupar Gaza, como o fez entre 1967 e 2005.

Apoio a Israel pode sair caro a Biden

Internamente, a resposta de Biden à situação no Médio Oriente está a deixá-lo em maus lençóis. A ala mais progressista dos Democratas não tem poupado nas críticas ao chefe de Estado, exigindo uma postura mais dura com Israel, o apoio a um cessar-fogo e cortes no apoio militar ao Estado judaico.

Na quinta-feira, o senador Cory Booker e o representante Dan Goldman enviaram uma carta a Biden instando-o a fazer mais para conter a violência dos colonos. Os principais democratas no Senado e na Câmara dos Representantes estão também a discutir discretamente como impor condições à futura ajuda militar a Israel.

Vários memorandos internos foram também enviados ao Secretário de Estado Antony Blinken através de um canal, criado após a guerra do Vietname, que permite aos funcionários criticar as políticas do Governo de forma anónima.

Uma carta aberta também estará a circular na Agência para o Desenvolvimento Internacional (USAID). Outra foi enviada à Casa Branca por representantes políticos e funcionários de dezenas de agências governamentais e uma terceira para membros do Congresso por funcionários do Capitólio, revela a BBC.

Grande parte desta dissidência é privada e as assinaturas são muitas vezes anónimas devido à preocupação de que o protesto possa afectar os empregos, pelo que a sua dimensão total não é clara. Mas, de acordo com fugas de informação citadas por vários relatórios, centenas de pessoas aderiram à onda de oposição.

Um funcionário do governo disse à BBC que estas preocupações são muito reais e há discussões ativas sobre elas. O conteúdo das cartas vai desde a exigência do apoio a um cessar-fogo imediato a uma maior pressão para que Israel permita a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza.

“Estou impressionado com a intensidade. Nunca vi nada assim”, admite Aaron David Miller, que trabalhou como conselheiro para as relações árabe-israelitas durante um mandato de 25 anos no Departamento de Estado dos EUA.

Outra coisa que pode preocupar Biden é a perda de apoio entre o eleitorado muçulmano e árabe. Os muçulmanos constituem uma pequena percentagem da população, mas o seu voto é fundamental em estados como o Michigan, onde vivem mais de 240 mil.

O Michigan foi decisivo para a vitória de Trump em 2016 (apenas 11 mil votos de diferença) e voltou a ser fundamental para a vitória de Biden em 2020 (150 mil votos de diferença).

Uma sondagem nacional pós-eleitoral conduzida por um grande grupo muçulmano revelou que 69% dos muçulmanos votaram em Biden em 2020, incluindo 83% no Michigan. No entanto, uma sondagem recente revelou que apenas 16% votariam em Biden se as eleições fossem agora.

“Como é que podem votar no Presidente quando vêem as atrocidadeds na televisão e ele está a permitir isto ao enviar mais armas?”, questiona Sam Baydoun, comissário do condado de Dearborn, a cidade com a maior população muçulmana nos EUA, à BBC.

O Arab American Institute, um grupo de activismo, afirma que desde o início do conflito, o apoio dos árabes americanos aos Democratas caiu de 59% em 2020 para apenas 17%. Seria a primeira vez em quase 30 anos que os Democratas não seriam o partido preferido dos eleitores árabes-americanos.

Adriana Peixoto, ZAP //

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