Dar aspirina a pacientes com cancro em simultâneo com imunoterapia pode aumentar significativamente a eficácia do tratamento, de acordo com um estudo dirigido pelo investigador português Caetano Reis e Sousa publicado hoje na revista Cell.
O ponto de partida do estudo, realizado pelo grupo do recém-criado Instituto Francis Crick e financiado pelo Cancer Research UK, foram os resultados de uma série de ensaios clínicos de imunoterapia, que mostraram que em seres humanos verifica-se um controlo imunológico do cancro, mas que, em muitos casos, é bloqueado pelo próprio cancro.
Com o objetivo de explorar os mecanismos responsáveis por esse bloqueio, o grupo de investigadores de Caetano Reis e Sousa produziram culturas de células tumorais com células do sistema imunitário, nomeadamente células dentríticas e macrófagos, importantes para iniciar a resposta das células T, que normalmente destroem o tumor.
O estudo, que tem como primeiro autor Santiago Zelenay, cientista que anteriormente trabalhou no Instituto Gulbenkian de Ciência em Portugal, foi feito usando ratos como modelo, células de cancro da pele, mama e de intestino e imunoterapia anti-PD-1.
“Verificámos que havia uma inibição dessas células imunitárias pelas células tumorais, o que nos levou a descobrir que essas células tumorais segregavam um límpido chamado prostaglandina E2 (PGE2) que tinha esse efeito. A partir daí mostrámos que, se a pessoa, por via genéticas ou farmacológicas, inibir a produção de PGE2 pelas células tutorias leva a um controlo imunológico“, disse o cientista português à agência Lusa.
Segundo Caetano Reis e Sousa, “uma das drogas que pode ser usada para bloquear a produção da PGE2 é a aspirina, assim como outros inibidores das cicloxigenases, que são as enzimas que levam a essa produção”.
O estudo verificou uma “profunda sinergia” entre a imunoterapia e a aspirina, ou seja, verificou-se que, ao eliminar a produção de PGE2, as células que cresciam com tumores em ratinhos foram rejeitadas exclusivamente por células do sistema imunitário.
“Achamos que isto será uma maneira de aumentar a potência destas novas drogas e que pode melhorar e diminuir efeitos secundários, permitido o uso de doses menores ou possibilitando ter resultados mais depressa para não ter de sujeitar os doentes a um regime prolongado de administração dessas drogas”, afirmou.
O próximo passo será fazer ensaios clínicos com humanos que permitam confirmar a eficácia desta tratamento em humanos, o que não será imediato.
“Os medicamentos são muito caros e não se pode fazer no âmbito de um laboratório académico, precisamos de colaborar com uma das empresas farmacêuticas que tenham interesse neste campo e que nos ofereça a droga para fazer esse ensaio clínico”, justificou.
Até lá, alertou, é “bastante perigoso” as pessoas experimentarem voluntariamente e sem conselho médico este regime devido ao risco de efeitos secundários.
Caetano Reis é líder de grupo do recém-criado Instituto Francis Crick, depois de 17 anos ligado ao Cancer Research UK, instituição britânica de apoio no combate ao cancro.
Em 2009 foi condecorado pelo Presidente da República, Cavaco Silva, com o título de oficial da Ordem de Sant’Iago da Espada.
Apesar da importância do estudo publicado esta quinta-feira pela revista Cell, uma das publicações científicas mais conceituadas, o português recusou que se esteja a revolucionar o tratamento do cancro.
“Isto é uma evolução, não se deve usar a palavra revolução para todos os avanços que há neste campo. O que é uma revolução clara é este conceito de que o sistema imunológico pode controlar o cancro e que o cancro bloqueia esse controlo, mas que há drogas que podem ser utilizadas para desencadear a resposta, isso tem sido realmente uma revolução”, argumentou.
Neste momento, saudou, há combinações de imunoterapias com uma taxa de resposta de 60% em cancros que eram considerados incuráveis.
“Este estudo é mais uma evolução desse conceito porque mostramos que há outras vias que até agora não tinham sido descobertas que podem levantar este bloqueio da resposta imunológica e podem ser usadas para aumentar a eficácia desses tratamentos”, disse.
/Lusa