Os concursos de beleza estão ser encerrados na Argentina. Os motivos incluem a preocupação com a violência de género e a discussão sobre os padrões tradicionais de beleza.
Pela primeira vez em mais de 20 anos, este verão não foi realizado o concurso Miss Cola Reef (“Miss Bumbum Reef”) em Mar del Plata, a cerca de 400 quilómetros de Buenos Aires.
Desde 1993, o concurso reunia jovens magras, com idades entre 19 e 25 anos, que ficavam de costas para o público e exibiam os glúteos, vestidas com a parte de baixo do biquíni e uma tshirt.
A vencedora do concurso recebia uma faixa, uma coroa com flores e dinheiro. Em dezembro, a organização anunciou o cancelamento do evento devido à “sensibilidade com a violência de género na Argentina”.
Ainda antes do anúncio do fim do “Miss Bumbum”, nos últimos dois anos cerca de 20 autarquias já tinham deixado de realizar as competições de beleza no país.
Em 2014, a Câmara Municipal de Chivilcoy, em Buenos Aires, aprovou um projeto que impede que o município realize concursos de beleza e cerca de vinte outros municípios aderiram à ideia de imediato.
“O projeto é contra a ideia da objetificação da mulher com concursos que medem e pesam as candidatas como se fossem gado“, disse Carolina Zunino da comissão de direitos humanos da Central de Trabalhadores da Argentina (CTA), que apresentou a proposta.
Estima-se que na Argentina cerca de 50 mulheres sejam vítimas de violência de género todos os dias. A CTA pretende mostrar às mulheres que não é necessário seguir um padrão pré-determinado de beleza, que pode criar transtornos alimentares, como bulimia e a anorexia nervosa.
Sob protestos
No início deste mês, a Reina del Mar (“Rainha do Mar”) de Mar del Plata foi anunciada entre protestos de grupos que exibiam cartazes contra o evento, realizado há 45 anos na cidade.
“A tua beleza não me representa. Gosto das gordas”, diziam alguns dos cartazes do coletivo Ni Una Menos (“Nenhuma a menos”), segundo relatos da imprensa local.
O grupo, presente em vários pontos da Argentina, realiza manifestações contra a violência de género. A iniciativa reuniu multidões nos últimos anos e inspirou a criação do movimento com o mesmo nome e manifestações em outros países, como o Chile e o Peru.
Num comunicado, o Ni Una Menos de Mar del Plata afirmou que o concurso é “misógino e sexista, tem padrões hegemónicos de beleza, promove a bulimia, a anorexia e a depressão. É a reprodução da mulher como mercadoria, em plena pandemia de violência de género e feminicídio”.
Com um vestido longo, capa, coroa e faixa, a rainha eleita, a estudante Giuliana Chiapp, de 19 anos, discordou. Para a jovem, os concursos “não são violência de género” e as mulheres que protestaram durante o evento “estão mal informadas”.
Também o gabinete de imprensa da área de turismo de Mar del Plata negou que se trate de um concurso de beleza. “As pessoas que protestaram estão desinformadas. Não se trata de concurso de beleza, mas da eleição da nossa embaixadora, da nossa representante que promove o turismo da cidade.”
Comportamento masculino
Para a investigadora Eleonor Faur, professora da Universidade San Martín, de Buenos Aires, a suspensão dos concursos e a violência de género “não formam uma equação direta”, mas há uma influência no comportamento masculino.
“É o mesmo participar de um concurso de glúteos e ser vítima da violência física, de violação ou de feminicídio? Obviamente não. Mas isso não significa que não exista violência simbólica ao se promover concursos de beleza que colocam a mulher como parte do consumo”, disse à BBC, comentando o caso do Miss Cola Reef.
Coautora do livro “Mitomanías de los sexos” (“Mitomanias dos sexos”), Eleonor Faur lembrou que os concursos de beleza ganharam força no século XX, e que nos últimos tempos é que surgiram vertentes como o Miss Bumbum, no Brasil, Miss Cola Reef, na Argentina, e outro semelhante no Vale da Colômbia.
Para a investigadora, essas competições têm sido suspensas na Argentina por causa de movimentos como o Ni Una Menos e porque os organizadores perceberam as mudanças no ambiente.
“O tema está no ar na Argentina e os organizadores, que antes descartariam que esses eventos poderiam gerar violência de género, são hoje mais conscientes disso”, afirmou Faur.
Para a jornalista e ex-senadora argentina Norma Morandini, o facto de a mulher ser vista como objeto acaba por resultar em problemas como o tráfico humano e a discriminação. O preconceito, considera, acaba por atingir também os homens que não atendem aos padrões atuais de beleza.