Na era pós-covid-19, a ameaça de pandemias não se limita apenas aos animais exóticos ou ao comércio de animais selvagens.
Uma nova análise levantou a preocupação de que os nossos próprios animais de estimação, os animais de trabalho e as pragas urbanas possam carregar germes zoonóticos, constituindo potencialmente um risco para a saúde humana.
A análise, publicada na revista Science Translational Medicine, sublinha a importância de reconhecer este risco subestimado, que pode resultar do aumento da urbanização e das alterações climáticas.
A ecologista de doenças Amandine Gamble e os seus colegas apresentam exemplos que ilustram a forma como os animais de estimação e os animais vadios podem ser portadores de doenças zoonóticas, diferentes dos animais selvagens e do gado.
Embora o risco possa ser relativamente pequeno e esporádico, a proximidade dos animais de companhia e dos vadios com os seres humanos aumenta a ameaça potencial para a saúde.
O termo “propagação zoonótica”, explica o ScienceAlert, refere-se à transmissão de agentes patogénicos dos animais para os seres humanos. É de salientar que as doenças zoonóticas não precisam de desencadear pandemias ou epidemias para serem consideradas uma preocupação de saúde pública, sendo que qualquer infeção que passe para os seres humanos é abrangida por esta categoria.
O desafio reside na subestimação e subnotificação das infeções com origem em animais de estimação, uma vez que os esforços de vigilância continuam a ser limitados.
Por exemplo, a Chlamydia psittaci, uma bactéria encontrada em papagaios de estimação, pode transmitir-se aos seres humanos, e as aves de capoeira de quintal podem servir de reservatório de Salmonella, causando problemas gastrointestinais. Sabe-se que mais de 70 agentes patogénicos de animais de companhia são transmissíveis aos seres humanos.
Embora os morcegos e os cavalos sejam fontes reconhecidas de doenças zoonóticas nas zonas urbanas, o estudo centra-se nos cães e nos gatos, em especial nos felinos que vivem em liberdade e nos felinos selvagens. Os gatos que vivem ao ar livre, muitas vezes com cuidados veterinários incompletos, podem albergar agentes patogénicos como a bactéria Yersinia pestis, responsável pela peste, historicamente associada aos ratos e às suas pulgas.
Os gatos podem atuar como um elo na cadeia de infeções por Y. pestis, embora o número de infeções seja relativamente baixo.
Para além das fontes animais negligenciadas, as alterações climáticas estão a alterar as interações entre espécies, tornando diferentes animais vetores mais prováveis de doenças. As espécies de aves, por exemplo, estão a tornar-se reservatórios da doença de Lyme transmitida por carraças.
O estudo também levanta preocupações sobre os vírus da gripe das aves altamente patogénicos encontrados em gatos de estimação polacos em junho de 2023, sem que ainda tenham sido notificados casos humanos.
Os investigadores sublinham a necessidade de uma melhor vigilância e de medidas de controlo eficazes para compreender a diversidade das populações animais envolvidas na propagação de doenças zoonóticas. As populações selvagens não devem ser negligenciadas nestes esforços.