Os enxames globulares – aglomerados deslumbrantes de até um milhão de estrelas antigas – estão entre os objetos mais antigos do Universo. Apesar de abundantes dentro e em redor de muitas galáxias, exemplos recém-nascidos são infimamente raros e nunca foram detetadas as condições necessárias para produzir novos – até agora.
Astrónomos que usavam o observatório ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array) descobriram o que parece ser o primeiro exemplo conhecido de um enxame globular prestes a nascer: uma nuvem de gás molecular incrivelmente massiva e extremamente densa, mas livre de estrelas.
“Podemos estar a testemunhar um dos mais antigos e extremos modos de formação estelar no Universo,” afirma Kelsey Johnson, astrónoma da Universidade da Virginia em Charlottesville, EUA, e autora principal de um artigo aceite para publicação na revista The Astrophysical Journal.
“Este objeto impressionante parece que foi diretamente arrancado do Universo primitivo. Descobrir algo com todas as características de um enxame globular, mas que ainda não começou a produzir estrelas, é como encontrar um ovo de dinossauro prestes a eclodir.”
Este objeto, que os astrónomos chamam de “Firecracker“, está localizado a aproximadamente 50 milhões de anos-luz da Terra dentro de um famoso par de galáxias em interação (NGC 4038 e NGC 4039), conhecidas coletivamente como “Antenas”. As forças de maré geradas pela fusão em curso estão a despoletar a formação de estrelas numa escala colossal, grande parte ocorrendo dentro de aglomerados densos.
No entanto, o que torna “Firecracker” único é a sua massa extraordinária, o (comparativamente) pequeno tamanho e a sua aparente falta de estrelas.
Todos os outros análogos de enxames globulares que os astrónomos observaram até à data estão já repletos de estrelas. O calor e a radiação destas estrelas, portanto, alterou consideravelmente o ambiente circundante, apagando quaisquer evidências de uma formação mais fria e silenciosa.
Com o ALMA, os astrónomos foram capazes de encontrar e estudar em detalhe um exemplo imaculado de tal objeto antes de mudar para sempre as suas características únicas. Isto deu aos astrónomos o primeiro olhar das condições que podem ter levado à formação de muitos, se não todos os enxames globulares.
“Até agora, as nuvens com este potencial só têm sido vistas como ‘adolescentes’, depois da formação estelar ter começado,” explica Johnson. “Isto significa que o berçário já havia sido perturbado. Para compreender a formação dos enxames globulares, precisamos de ver as suas verdadeiras origens.”
A maioria dos enxames globulares formaram-se durante um verdadeiro “baby boom” há aproximadamente 12 mil milhões de anos, aquando da formação das primeiras galáxias. Cada um contém até um milhão de estrelas de “segunda geração”, densamente agrupadas (estrelas de segunda geração são estrelas com visivelmente baixas concentrações de metais pesados, indicando que se formaram muito cedo na história do Universo). A nossa própria Via Láctea tem pelo menos 150 enxames deste género, embora possa ter muitos mais.
Por todo o Universo, formam-se ainda hoje enxames estelares de vários tamanhos. É provável, embora cada vez menos, que os maiores e mais densos continuem até tornarem-se aglomerados globulares.
“A probabilidade de sobrevivência de um enxame estelar jovem e massivo é muito baixa – cerca de 1%,” comenta Johnson. “Várias forças externas e internas desmontam estes objetos, quer formando enxames abertos como as Plêiades ou desintegrando-se completamente para fazer parte do halo de uma galáxia.”
Os astrónomos acreditam, no entanto, que o objeto que observaram com o ALMA, que contém 50 milhões de vezes a massa do Sol em gás molecular, é suficientemente denso para ter uma boa hipótese de se tornar “num dos sortudos”.
Os enxames globulares evoluem para fora dos seus estágios embrionários (sem estrelas) muito rapidamente – até um milhão de anos. Isto significa que o objeto descoberto pelo ALMA está a passar por uma fase muito especial da sua vida, fornecendo aos astrónomos uma oportunidade única para estudar um componente importante do início do Universo.
Os dados do ALMA também indicam que a nuvem Firecracker está sob pressão extrema – aproximadamente 10 mil vezes maior que as pressões interestelares típicas. Isto apoia teorias anteriores de que são necessárias pressões elevadas para formar enxames globulares.
Ao explorar as galáxias Antenas, Johnson e colegas observaram a ténue emissão das moléculas de monóxido de carbono, o que lhes permitiu obter imagens e caracterizar nuvens individuais de poeira e gás. A falta de qualquer emissão térmica apreciável – o sinal revelador de gases aquecidos por estrelas vizinhas – confirma que este objeto recém-descoberto está ainda num estado pristino e imaculado.
Novos estudos com o ALMA poderão revelar exemplos adicionais de “proto-super-enxames estelares” nas Antenas e noutras galáxias em interação, lançando luz sobre as origens desses objetos antigos e sobre o papel que desempenham na evolução galáctica.