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Kristi Noem, Governadora da Dakota do Sul
Já foi inaugurado o novo centro para detenção de imigrantes conhecido como “Alcatraz dos Jacarés”. Foi instalado em apenas oito dias e está rodeado de animais selvagens.
O centro de detenção de imigrantes ilegais no estado da Florida conhecido como “Alcatraz dos Jacarés” por situar-se numa zona infestada de animais predadores recebeu quarta-feira o primeiro grupo de detidos, afirmou o procurador-geral estadual.
“O Alcatraz dos Jacarés vai fazer ‘check-in’ de centenas de imigrantes ilegais criminosos esta noite”, disse o procurador-geral republicano da Florida, James Uthmeier, na rede social X.
“Próxima paragem: de volta para onde vieram“, adiantou, aludindo à sua deportação dos Estados Unidos.
O centro foi instalado em apenas oito dias, numa pista de aterragem na região pantanosa dos Everglades. Conta com mais de 200 câmaras de segurança, mais de 8500 metros de arame farpado e 400 agentes de segurança.
O Presidente norte-americano, Donald Trump, participou terça-feira na inauguração do centro de detenção, ironizando que os imigrantes que tentem fugir do local correm o risco de serem atacados por animais selvagens.
Quando questionado pelos jornalistas sobre se o objetivo do centro de detenção de imigrantes era, em caso de fuga, serem atacados pelos répteis, Donald Trump respondeu: “É esse o conceito“.
“As cobras são rápidas, mas os jacarés (…). Vamos ensiná-los a fugir de um jacaré, ok?”, afirmou Trump, num tom jocoso.
As autoridades estaduais afirmaram que a “Alcatraz dos Jacarés”, centro que descreveram como temporário, contará com tendas e roulottes, permitindo ao estado adicionar 5000 camas de detenção de imigrantes até ao início de julho e libertar espaço nas prisões locais.
Tal como noutros centros semelhantes no país, as autoridades pretendem deter temporariamente os imigrantes ilegais enquanto aguardam deportação do país.
O nome Alcatraz remete para a histórica prisão ao largo da cidade californiana de São Francisco, num rochedo no mar para onde foram durante décadas enviados alguns dos maiores criminosos do país.
Para o governador da Florida, Ron DeSantis, e outras autoridades estaduais, o isolamento do aeródromo nos Everglades, rodeado de zonas húmidas repletas de mosquitos, cobras venenosas e jacarés, consideradas sagradas para as tribos nativas americanas, torna-o um local ideal para deter imigrantes ilegais.
“Claramente, do ponto de vista da segurança, se alguém escapar, sabem, há muitos jacarés”, disse DeSantis, que foi um dos principais rivais de Donald Trump na nomeação presidencial pelo Partido Republicano em 2024.
Ron DeSantis indicou também que está a avaliar a construção do segundo centro num campo de treino da Guarda Nacional da Flórida, conhecido como Camp Blanding, cerca de 48 quilómetros a sudoeste de Jacksonville, no nordeste do estado.
O governador republicano sublinhou a sua disponibilidade para ajudar o executivo do Presidente Donald Trump a atingir o seu objetivo de mais do que duplicar a capacidade de detenção de imigrantes das atuais 41 000 camas para pelo menos 100 000 camas em todo o país.
O Presidente norte-americano fez do combate à imigração ilegal uma prioridade máxima, referindo-se a uma “invasão” dos Estados Unidos por “criminosos do estrangeiro” e falando extensivamente sobre as deportações de imigrantes.
Democratas e ativistas condenaram o plano como um espetáculo insensível e politicamente motivado.
Grupos ambientalistas da Florida apresentaram na semana passada uma ação judicial federal para bloquear a construção do centro de detenção de imigrantes até que seja sujeito a uma rigorosa revisão ambiental, conforme exigido pelas leis federais e estaduais.
O recurso à Justiça junta o Centro para a Diversidade Biológica e os Amigos dos Everglades.
O projeto motivou também protestos de povos indígenas que consideram a terra sagrada, incluindo 15 aldeias tribais tradicionais Miccosukee e Seminole remanescentes, para além de locais cerimoniais e de enterro e outros locais de reunião.
Imigrante canibal “comeu-se a si próprio”
Um dos momentos mais falados da apresentação da nova prisão foi protagonizado por Kristi Noem, a Secretária de Segurança Interna dos EUA, que alega que um marechal da polícia lhe disse que deteve um imigrante canibal que além de já ter “comido outras pessoas”, começou a “comer-se a si próprio” durante o voo de deportação. Noem usou o caso como um exemplo do tipo de indivíduos “desequilibrados” que, segundo ela, entram nos EUA e têm de ser deportados.
Esta foi já a segunda vez que Noem fez esta alegação, depois de a ter dito inicialmente numa entrevista ao canal Fox News. Confrontada com perguntas adicionais, Noem insistiu que o relato foi feito como se fosse um caso banal, acrescentando que o indivíduo se teria identificado como um canibal.
Apesar das insistências da imprensa, Noem recusou-se a fornecer qualquer prova do sucedido. Nem o Departamento de Segurança Interna (DHS), nem o Serviço de Imigração e Controlo de Fronteiras (ICE) confirmaram a existência de tal caso nos seus registos públicos. O site The Intercept, que investigou a alegação, não encontrou qualquer evidência independente da história do “canibal deportado”.
Este tipo de retórica insere-se num padrão cada vez mais visível na narrativa da administração Trump. Nos últimos meses, o Presidente e os seus aliados, como o bilionário Elon Musk, têm promovido alegações sem fundamento que associam imigrantes, especialmente haitianos, ao canibalismo. Em março de 2024, Musk e comentadores de extrema-direita descreveram “gangues canibais” no Haiti, sugerindo que os seus membros estavam a entrar ilegalmente nos EUA.
Para além de canibalismo, houve ainda várias acusações de que os imigrantes estavam a comer os animais de estimação das famílias americanas, com muitas destas alegações a serem feitas pela comentadora Laura Loomer. O próprio Donald Trump chegou a ecoar esta teoria da conspiração no seu debate com Kamala Harris afirmando que os imigrantes “estão a comer os cães e os gatos“.
Em comícios, Trump também menciona frequentemente o famoso canibal fictício Hannibal Lecter, da série de livros e filmes O Silêncio dos Inocentes. “Temos muitos Hannibal Lecters a entrar no nosso país”, afirmou num discurso em 2025.
Para além das alegações de canibalismo, Trump tem promovido ideias desacreditadas como a da “criminalidade genética”, afirmando que certos imigrantes têm “maus genes”. Esta teoria, com raízes em doutrinas eugénicas do século XIX, foi usada para justificar o racismo científico e inspirou políticas discriminatórias, inclusive na Alemanha nazi.
Especialistas alertam para o facto de que estas narrativas se baseiam em mitos coloniais racistas. A professora Marlene Daut, da Universidade de Yale, lembra que o Ocidente tem uma longa história de usar alegações falsas de canibalismo para desumanizar povos colonizados, especialmente após a revolução haitiana de 1804. “É perturbador que Elon Musk repita estas absurdidades”, afirmou.
Kristi Noem também já esteve anteriormente envolvida em várias controvérsias. No seu livro de memórias, No Going Back (2024), incluiu episódios com líderes mundiais, como Kim Jong Un e Emmanuel Macron, que foram rapidamente desmentidos. A autobiografia incluiu também o relato polémico de quando matou uma cadela.
Mais recentemente, foi acusada de omitir donativos no valor de 80 mil dólares nas suas declarações financeiras e de mentir sobre uma suposta intervenção do Serviço Secreto contra um senador democrata, algo que foi desmentido por imagens de vídeo.
Adriana Peixoto, ZAP // Lusa
Já se fazia era uma do género em Portugal!
O primeiro campo de concentração do Trump. A história é cíclica.