Uma equipa de químicos da Scripps Research anunciou uma descoberta que reforça uma nova e surpreendente teoria sobre a origem da vida na Terra.
De acordo com o jornal espanhol ABC, os investigadores da Scripps Research demonstraram que um composto simples chamado fosforamidato, presente no nosso planeta antes de a vida surgir, pode ter entrelaçado quimicamente os minúsculos blocos de construção de ADN – os chamado desoxinucleotídeos – em autênticas fitas de ADN primordial.
Esta descoberta é a última de uma série de investigações nos últimos anos, algumas realizadas pela mesma equipa de investigadores, que apontam para a possibilidade de que o ADN e o seu “primo” químico ARN terem surgido como produtos de reações químicas semelhantes e que as primeiras moléculas capazes de se replicar, que libertaram vida na Terra, eram misturas das duas.
O ADN (ácido desoxirribonucleico) é a molécula que contém toda a informação genética hereditária que serve como um “manual de instruções” para que diferentes organismos se desenvolvam, vivam e se reproduzam.
Já o ARN (ácido ribonicléico) é o que permite que a informação genética contida no ADN seja “compreendida” pelas células, transmitindo a informação contida no ADN. É formado por uma única fita, ao contrário do ADN, que possui uma fita dupla.
Até agora, a hipótese dominante era a do “mundo de ARN”, segundo a qual os primeiro organismos capazes de se replicar eram baseados unicamente no ARN. Esta teoria defende ainda que o ADN só surgiu mais tarde como um produto gerado pelas formas de vida de ARN.
A hipótese do “Mundo de ARN”
O principal autor do estudo, Ramanarayanan Krishnamurthy, e os colegas duvidam da hipótese do “mundo de ARN” há anos, em parte porque as suas moléculas podem ter sido “demasiado pegajosas” para dividir-se e converter-se nas primeiras com capacidade de replicação.
Uma fita de ARN pode atrair com facilidade outros blocos de construção de ARN individuais, que se aderem a ela para formar uma nova fita que é uma espécie de imagem da primeira: cada bloco de construção na nova cadeia une-se ao seu bloco de construção complementaria na fita original.
Se a nova fita consegue desprender-se da original e, mediante o mesmo processo, começar a moldar outras novas vertentes, terá realizado o feito de autorreplicação subjacente à vida.
Porém, é precisamente aí que reside o problema. Embora as fitas de ARN sejam muito boas na criação de novas fitas complementares, não são tão boas em separar-se delas, ou seja, replicar-se.
Embora seja verdade que os organismos modernos produzem enzimas que podem forçar a separação das fitas complementares das originais, permitindo a replicação, está longe de ser clara a forma como esse processo poderia ter ocorrido há quatro mil milhões de anos, num mundo no qual as enzimas ainda não existiam.
A solução: fitas mistas
Em estudos anteriores, Krishnamurthy e os seus colegas já tinham mostrado que outros tipos de fitas “quiméricas”, feitas em parte de ARN e em parte de ADN, poderiam ter resolvido o problema, uma vez que fariam fitas complementares “menos pegajosas” e que, portanto, seriam separadas mais facilmente. Segundo Krishnamurthy, estas fitas quiméricas existiam há quatro mil milhões de anos.
Além disso, num estudo anterior, o investigador mostrou que os blocos de construção do ARN e ADN poderiam ter surgido ao mesmo tempo e sob condições químicas muito semelhantes na Terra primitiva.
Por fim, a equipa também descobriu, em 2017, que o composto orgânico fosforamidato pode ter desempenhado um papel fundamental na modificação dos primeiros blocos de construção do ARN e pode tê-los unido para formar as primeiras fitas de ARN.
Agora, o novo estudo publicado em dezembro na revista científica Angewndte Chemie mostra que o fosforamidato também pode ter feito o mesmo, em condições semelhantes, com os desoxinucleosídeos de ADN.
Assim, este é um novo mecanismo químico que representa um passo importante na compreensão de como a vida pode ter surgido na Terra de uma série de “tijolos” originalmente separados.