No final da sua digressão pelo Velho Continente, o presidente Xi Jinping leva consigo dezenas de acordos com Sérvia e Hungria — e deixa para trás uma Europa dividida quanto à forma de lidar com a China.
O presidente chinês, Xi Jinping, deixou a Europa na sexta-feira, depois de uma digressão que revelou o aprofundamento das divisões na forma como as diferentes partes do continente lidam com Pequim.
A tour de Xi permitiu à China melhorar as relações com a Sérvia e a Hungria, os dois aliados mais próximos do país na Europa, com dezenas de acordos que alargam a presença de Pequim nas infra-estruturas críticas da Europa Central.
Mas em França, apesar dos laços de longa data com o Presidente Emmanuel Macron, fez poucas ou nenhumas concessões para reduzir o fluxo de importações chinesas para a União Europeia, considera o South China Morning Post.
Parceria global com a Hungria
Em Budapeste, capital do país da UE e membro da NATO mais frequentemente considerado como tendo tendências autocráticas, Xi Jinping declarou que “a China apoia a Hungria a desempenhar um papel mais importante na UE e a promover um maior progresso nas relações China-UE”.
Os laços entre a Hungria e a China foram elevados ao nível de uma parceria estratégica global “para todos os climas“, a par apenas da Bielorrússia, do Paquistão e do Uzbequistão.
Tanto na Hungria como na Sérvia, Xi assinou dezenas de acordos estratégicos, que reforçam a influência chinesa em infra-estruturas críticas da Europa; com o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, assinou um pacto de cooperação nuclear, que poderá levar Pequim a integrar a rede de energia nuclear da UE.
Budapeste também aprofundou os laços com a Huawei Technologies, empresa que as autoridades da UE têm sido acusadas de tentar excluir do mercado único; a China acordou também a construção de um posto fronteiriço rodoviário entre a Hungria e a Sérvia, dois membros da zona Schengen de livre circulação da Europa.
“Nos últimos anos, temos assistido a um desenvolvimento na UE, com o objetivo de afastar certas entidades estrangeiras das infra-estruturas críticas. Mas parece que, no caso da Hungria, está a acontecer o contrário“, considera Tamas Matura, especialista em relações sino-húngaras da Universidade Corvinus de Budapeste.
Em julho, a Hungria assume a presidência rotativa da UE — um papel em grande parte decorativo, mas que os seus dirigentes prometeram usar para promover uma abordagem diferente em relação à China.
“Poderemos partilhar com os nossos colegas europeus, de uma forma muito credível, quão útil, proveitoso e rentável pode ser trabalhar com a China“, disse recentemente o Ministro dos Negócios Estrangeiros húngaro, Peter Szijjarto, numa entrevista ao jornal estatal chinês Global Times.
Sérvia estagnada afasta-se da UE
A Sérvia é “um exemplo para as relações amistosas da China com outros países europeus”, afirmou o presidente chinês na sua visita ao país.
E, à medida que a candidatura da Sérvia à adesão à UE estagna, os sérvios têm vindo a aproximar-se de Pequim e Moscovo.
Os analistas realçam a decisão do Presidente sérvio, Aleksandar Vucic, de assinar um acordo de cooperação com a China através do seu Ministério da Integração Europeia, que gere o processo de adesão de Belgrado à UE.
A Sérvia vê a União Europeia como uma máquina de fazer dinheiro e, ao mesmo tempo, quer construir “relações acima do nível de parceria estratégica” com a China e “fraternidade” com a Rússia”, explica Romana Vlahutin, antiga enviada da conetividade para a UE e especialista em política dos Balcãs Ocidentais.
“Para a China e a Rússia, esta é uma oportunidade para instalarem as suas infra-estruturas de segurança, económicas e digitais nas proximidades da UE e projetarem gratuitamente o seu poder“, considera a analista.
“Nem sequer têm de se esforçar ou investir muito“, acrescenta Vlahutin.
Os responsáveis da União Europeia ouviram uma mensagem clara de Xi: mantenham bons laços com Pequim, e todo este investimento poderá ser vosso.
Em França, o oposto
Ainda há um ano, Xi foi filmado a chamar “amigo do peito” ao Presidente francês Emmanuel Macron, enquanto passeavam juntos por jardins em Guangzhou.
Esta semana, em França, o presidente chinês teve direito a tapete vermelho e, em vários discursos, os dois presidentes celebraram os 60 anos de laços bilaterais e prometeram cooperar mais.
No entanto, embora a delegação de Xi tenha assinado 37 acordos com o governo de Macron, estes não foram substanciais, não tendo havido nenhum dos grandes negócios que caracterizaram as suas viagens europeias no passado.
Pensa-se que um fabricante chinês de veículos elétricos estará pronto para instalar uma fábrica em França, um pedido fundamental de Emmanuel Macron. No entanto, não foi feito qualquer anúncio.
Apesar da pompa e circunstância, Macron não conseguiu obter compromissos concretos de Xi relativamente aos principais pontos da agenda, incluindo a Ucrânia e o comércio.
De acordo com pessoas informadas sobre as conversações, Macron passou muito tempo a tentar convencer Xi de que os investigadores comerciais chineses não iriam encontrar subsídios no sector do conhaque francês, que, segundo ele, é uma indústria de primeira qualidade que não necessita de ajuda estatal.
Xi, por outro lado, disse a Macron e à Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que se lhe juntou para uma reunião, na segunda-feira, que estavam a subestimar a procura interna da China e que as suas afirmações sobre a sobrecapacidade da indústria chinesa eram descabidas.
“Parece difícil, se não impossível, ver a China a fazer quaisquer concessões para reduzir o fluxo de importações chinesas para a UE”, escreve a economista-chefe para a Ásia-Pacífico da Natixis, Alicia Garcia Herrero, no Asia Times.
Os observadores geopolíticos não ficaram surpreendidos com as clivagens na abordagem da Europa a Pequim, nem com os esforços da China para as explorar.
“Dividir para reinar é a política favorita do Partido Comunista Chinês. Embora fale da ideia de uma Europa forte e unida, a realidade é que uma UE em desordem serve melhor os seus interesses, em particular o comércio e o investimento”, considera o analista de geopolítica Charles Parton.
“E no primeiro-ministro húngaro Viktor Orban, o Partido Comunista Chinês encontrou um parceiro perturbador”, diz Parton.