“Abuso de poder policial”. Manifestantes anti-monarquia detidos nas proclamações de Carlos III

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Yoan Valat / EPA

Proclamação oficial do rei Carlos III

Os opositores à monarquia aproveitaram as várias cerimónias de proclamação do rei Carlos III em todo o país para se manifestarem. Dois acabaram por ser detidos pela polícia.

Milhões de pessoas por todo o mundo estão a chorar a morte da rainha Isabel II, mas nem todos vão sentir saudades da monarca que esteve ao leme do Reino Unido durante 70 anos.

Durante as cerimónias de proclamação do novo rei Carlos III, que tiveram lugar este domingo em todo o país, várias pessoas aproveitaram para fazerem ouvir as suas opiniões dissidentes e manifestaram-se a favor da abolição da monarquia.

Em dois casos, houve até detenções. Em declarações ao The Independent, um dos protestantes diz que foi detido depois de gritar “quem o elegeu?” quando passou pela cerimónia em Oxford.

Symon Hill acusa a polícia de abuso de poder e fala num ambiente que “reduziu significativamente a liberdade de expressão e prejudicou a democracia”. O manifestante confessa que ficou assustado quando foi levado pelas autoridades por não entender as razões para a detenção.

“Não tinha nenhuma bandeira ou crachá. Havia algumas centenas de pessoas entre mim e os degraus. Houve uma declaração de luto e certamente não interrompi isso. Quando anunciaram que Carlos seria Carlos III, gritei ‘quem o elegeu?’. Algumas pessoas disseram para me calar e eu respondi, mas não as insultei“, relata.

Hill conta que foi levado pela polícia e detido de acordo com a nova lei de protestos no Reino Unido, que foi bastante criticada por proibir muitas das tácticas mais usadas durante manifestações, com os críticos a considerar que practicamente criminaliza o direito ao protesto.

Mais tarde, numa carrinha da polícia, Hill foi libertado, mas a polícia avisou-o de que seria contactado para uma entrevista com a presença de um advogado. “Este é grande mau uso do poder policial. O facto de eles inicialmente não saberem por que é que me estavam a prender é preocupante. As pessoas à minha volta não concordavam comigo mas não gostaram que eu fosse preso”, sublinha.

Já em Edimburgo, onde o caixão da rainha ficará até esta tarde, ouviu-se um homem a apupar a proclamação de Carlos III e os presentes dizerem ter ouvido alguém a gritar “República agora“.

Na mesma cidade escocesa, uma mulher de 22 anos também foi detida por ter um cartaz onde dizia “que se f*** o imperialismo, abolição da monarquia“. Desta vez, parte da multidão aplaudiu a detenção da manifestante, apesar de também se terem ouvido outros a defenderem o direito à liberdade de expressão da jovem.

A polícia escocesa explicou que a mulher foi detida por “disrupção de paz”. Em Aberdeen também se ouviram apupos durante a leitura do documento que oficializa a subida de Carlos III ao trono.

No castelo de Cardiff, no País de Gales, também estiveram presentes dois manifestantes com cartazes com a mensagem “Não é o nosso rei! É a subjugação colonial do povo galês”.

Jovens perdem interesse na monarquia

Apesar da tradição monárquica milenar no Reino Unido, não é de agora que o sentimento republicano tem crescido no país. Uma sondagem de Maio de 2021 da YouGov revelou que 27% dos britânicos apoiam a abolição da monarquia — uma grande subida em relação aos 15% que têm sido a média nos últimos 20 anos.

Entre os jovens com menos de 25 anos, a oposição à família real é ainda maior, com 41% a defender a eleição do chefe de Estado, enquanto que apenas 31% apoiavam a monarquia.

Também não é por acaso ver os manifestantes a aproveitar a ocasião da morte da rainha para reacenderem o debate sobre a abolição da monarquia. Isabel II era uma figura bastante acarinhada pelos britânicos, mas o seu filho não tem a mesma sorte.

A mesma sondagem mostrou que o povo estava dividido entre quem deveria suceder à rainha — 37% preferiam William enquanto que 34% confiavam em Carlos. Já 17% consideravam que nenhum membro da família real deveria ser coroado após Isabel II.

Esta preferência por William é explicada por vários factores. Dado ter 73 anos, a ascensão de Carlos III dificilmente será vista como uma revitalização da monarquia e há muitos britânicos que preferem alguém mais jovem no trono para haver uma modernização nesta instituição arcaica que para muitos já “cheira a mofo”.

Ao contrário da postura neutra da mãe, enquanto Príncipe de Gales, Carlos foi opinando publicamente sobre vários assuntos — o que também levanta dúvidas e preocupações sobre se deixará as suas opiniões influenciar o seu papel enquanto rei. A sua conturbada relação com a Princesa Diana e os casos extraconjugais com a sua actual rainha-consorte, Camila Parker-Bowles, também ainda não foram apagados da memória de muitos britânicos.

Caraíbas exigem reparações

Para além do próprio Reino Unido, há também muito debate sobre a continuidade do monarca britânico como chefe de Estado nas 14 nações da Commonwealth onde este é o caso.

Na Austrália, logo no dia da morte de Isabel II, alguns membros dos Verdes já manifestaram o seu apoio à instauração de uma República. Na Nova Zelândia, apesar de já ter dito que espera ver o país a eleger o seu chefe de Estado ainda no seu período de vida, a primeira-ministra Jacinta Arden afasta essa possibilidade, para já.

“Houve um debate. Eu já demonstrei a minha posição várias vezes e acredito que esse é o caminho que a Nova Zelândia vai percorrer e que vai acontecer enquanto eu viver”, referiu, frisando, contudo, que – neste momento – não é uma prioridade.

“Não se trata de uma medida para o curto prazo nem está na agenda Na verdade, nunca senti urgência (…). Este é um grande e significativo debate, mas não creio que seja ou deva ocorrer de forma rápida”, referiu Ardern, acrescentando que o país enfrenta outros “desafios”.

Nas Caraíbas, onde a oposição à monarquia tem sido mais forte e onde a ilha de Barbados se tornou uma República no ano passado, William e Kate já enfrentaram protestos durante a sua viagem à região em Março.

Alguns países, como a Jamaica e Antígua e Barbuda, anunciaram o luto nacional a Isabel II, mas crescem os movimentos republicanos e os apelos a reparações pela escravatura e pela exploração durante o período colonial.

No ano passado, o governo jamaicano anunciou um plano para pedir ao Reino Unido uma compensação pelo tráfico de cerca de 600 mil africanos que foram escravizados em plantações de banana e cana de açúcar.

Uma sondagem de Agosto também mostrou que 56% dos Jamaicanos defendem a remoção do monarca britânico como chefe de Estado.

Adriana Peixoto, ZAP //

7 Comments

  1. A monarquia britânica já cheira a mofo. Tanto palácio, tanta propriedade, tanta ruqueza, tanta deferência, tanta vénia, numa só família. No séc XXI isso já não faz qualquer sentido. É um disparate enorme. Qualqyer servidor do povo tem que ser eleito por ele.

    • Achei engraçado o seu comentário. Por vários motivos…
      Começando pelo fim “…servidor do povo…”. É bonito ver que alguém ainda acredita no altruismo daqueles que se predispõem a gerir a coisa pública. É bonito… mas ingénuo.
      No início “… tanta deferência, tanta vénia, numa só família…” e acrescento eu… tantos escândalos. De um filho que apenas se safou de uma acusação de violação pedófila nos EUA porque tinha dinheiro para chegar a acordo, a uma rainha com contas offshore (Panama papers), à morte da princesa do povo ainda por esclarecer, a um futuro rei que prefiro nem comentar e a uma família que aparentemente (e segundo declarações de Harry e Meghan) é profundamente racista e muito pouco tolerante. Mas os súbditos gostam e eu fico contente por eles. Podiam era não nos massacrar em todos os serviços noticiosos com horas intermináveis do funeral da senhora. Estamos em Portugal. O que fez ela por Portugal? E, já agora, pelo Mundo? Muito mais fez o Gorbachev e não lhe vi tanto tempo de antena atribuído. Nem funeral de estado teve, o coitado…

      • Aplaudido!
        A monarquia britânica ( e espero que as outras também) tem os dias contados.
        O kick off será dado pela Escócia, ao qual se seguirá o País de Gales.
        Na irlanda do Norte vai ser mais duro…

  2. A queda está para breve ….
    A sede de poder e de controlar tudo à sua volta, mais os egos inflamdos, fazem do reino de sua “majestade”, um conto de fadas tosco…
    Mas, há quem goste e aplauda, não sei bem porquê, pelo luxo ? Pelos “desfiles”de moda que fazem ? Pelas revistas que vendem? É um verdadeiro negócio, tipo Disney :/
    Enfim ….

  3. Difícil de compreender estes “Reinados” não Eleitos por escrutínio , afogados nas luxurias pagas com os Impostos dos seus servos de mentalidade parada no Tempo , mantendo-se incrustados em Regimes ditos Democráticos .

  4. Os idiotas vão conquistar o mundo, não pela sua qualidade, mas pela quantidade. As Anas e Albertinas da vida, são tão ingénuas que acreditam na democracia? … O povo nunca ordenou, não ordena, nem ordenará! O povo é imbecilizado para defender quem o rouba constantemente!

    • O Povo como quem diz ; penso que sua Exa . faz parte dessa classe ! ….. seria mais correto de se referir a uma percentagem da População em vez de generalizar Sr. Dr em vez de “enlamear tudo e todos.

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