A proteína que não existia foi encontrada. Sayonara, dogma científico

The EMBO Journal

Imagem de capa, The EMBO Journal, edição de abril 2023

Cientistas descobriram um novo gene, existente na mosca-da-fruta, que se pensava não existir. Este gene codifica para uma proteína responsável por detetar o stress nas células e encaminhá- las para um processo de autodestruição.

A morte celular, também designada como apoptose, é um processo celular bem conhecido pela comunidade científica. Quando uma célula está danificada, é sinalizada e encaminhada para um processo de morte celular programada.

Este evento celular é essencial para a nossa saúde e permite eliminar células cancerígenas, antes de um tumor se desenvolver.

No entanto, a morte celular programada é um processo complexo, que implica uma cascata de reações químicas. Muitas destas reações químicas estão ainda por compreender, mas sabe-se que o processo é desencadeado por uma proteína pertencente à família de proteínas BH3.

A BH3 é capaz de detetar o stress nas células e está presente em vários seres vivos, incluindo mamíferos e nematoides.

Até há bem pouco tempo, pensava-se que todos os insetos, incluindo a mosca-da-fruta, não tinham a proteína BH3. Acreditava-se que estes seres vivos possuíam um programa de morte celular diferente dos humanos, ainda por explicar.

Mas um grupo de investigadores do Instituto RIKEN, no Japão, descobriu que, afinal, a mosca-da- fruta possui um gene que codifica para a proteína BH3.

Segundo Sa Kan Yoo, autor do projeto, o gene estava à vista de todos.

“Não fizemos nada de extravagante”, afirma. “Usámos a sequência genética da proteína BH3 em humanos e comparámos com o genoma da mosca-da-fruta, na tentativa de verificar se existia alguma sequência semelhante”.

Este método de comparação de genomas é amplamente usado pela comunidade científica e tem permitido identificar genes homólogos em seres vivos bastante diferentes.

Numa segunda fase da investigação, o gene suspeito foi expresso nas asas da mosca-da-fruta, de modo a compreender se este era, de facto, responsável pela morte celular programa.

Os resultados foram bastante claros – as asas da mosca-da-fruta murcharam e foram identificados vários marcadores celulares relacionados com a apoptose. O novo gene recebeu então o nome de “sayonara”, em homenagem à palavra japonesa “adeus”.

Yoo admite que o facto de a sequenciação do genoma da mosca-da-fruta não estar completa, pode explicar o facto de os investigadores não terem encontrado este gene há 20 anos.

“A sequenciação genómica estava incompleta naquela altura. Os cientistas não conseguiram encontrar o gene e, possivelmente, acabaram por desistir”.

Curiosamente, vários livros afirmavam que a mosca-da-fruta não possuía a proteína BH3. No entanto, o Método Científico tem-se demonstrado infalível e todas as teorias são verdadeiras até serem contestadas.

Temos assistido, ao longo dos anos, à queda de vários dogmas científicos, e este é apenas mais um deles.

Apesar de ser amplamente aceite que os insetos não possuíam a BH3, Yo achou que “seria interessante verificar”. “E algumas horas depois, encontrei algo com uma sequência muito similar à BH3”, afirma o autor do estudo, que foi publicado no The EMBO Journal.

Esta descoberta mostra que a mosca-da-fruta, e possivelmente outros insetos, não são assim tão diferentes dos mamíferos, incluindo humanos, no que toca à apoptose.

“Isto significa que a mosca-da-fruta não é uma exceção”, afirma Yoo. “Ao invés, descobrimos que estas têm um mecanismo muito semelhante para regular a apoptose, similar aos humanos e nematóides”.

Embora sejamos, aparentemente, muito diferentes da mosca-da-fruta, os mecanismos que regulam a morte celular parecem ser bastante similares.

A equipa de investigação, liderada por Yo, está agora focada em explorar o que acontece à proteína BH3 depois de ser ativada. Além disso, estão também a verificar se outros insetos possuem o mais recente gene “sayonara”.

Patrícia Carvalho, ZAP //

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