Depois do intestino, a boca é o segundo maior reservatório de micróbios. Abriga mais de 700 espécies de bactérias que colonizam dentes, língua e tecidos moles – que podem ser catalisadoras do cancro.
Há cada vez mais evidências de que o microbioma oral influencia o risco de desenvolvimento de certos tipos de cancro e afeta o prognóstico de quem os desenvolve.
Uma investigação publicada recentemente na JAMA Oncoloy analisou dados de três estudos longitudinais nos EUA, a envolver 159.840 participantes, correlacionando a presença de até 13 espécies bacterianas na saliva com o desenvolvimento subsequente de carcinoma espinocelular da cabeça e do pescoço.
Os investigadores detetaram também uma associação moderada com as chamadas bactérias do complexo laranja e vermelho, que têm uma forte ligação à doença das gengivas. Em conjunto, a presença destas bactérias foi associada a um aumento significativo do risco de cancro da cabeça e do pescoço.
No início deste ano, outro estudo, citado pelo New Scientist, já tinha identificado sete espécies associados a tumores da cavidade oral.
Apesar de estes estudos salientarem o papel das bactérias no desenvolvimento do cancro, particularmente em estágios iniciais, faltam provas definitivas para estabelecer uma relação causal direta entre as bactérias e o cancro.
A bactéria Fusobacterium nucleatum, por exemplo, tem sido estudada pela sua capacidade de proteger células cancerígenas de ataques imunitários. Uma investigação de 2015, feita na Universidade Hadassah-Hebrew, em Jerusalém, e os seus colegas, revelou que esta espécie ajudava a proteger as células cancerígenas do ataque imunitário.
Isto poderia dar aos tumores quase rédea solta para crescerem, disse à New Scientist, o cientista português Miguel Reis Ferreira do King’s College de Londres, que investigar o papel dos micróbios na melhoria do tratamento do cancro.
Uma investigação recente do próprio grupo de investigação de Reis Ferreira descobriu que as pessoas com cancro da cabeça e do pescoço que têm níveis mais elevados de F. nucleatum têm, na verdade, um melhor prognóstico do que as que têm níveis mais baixos.
Experiências de acompanhamento em laboratório também identificaram uma grande redução no número de células cancerígenas viáveis depois de terem sido infetadas com a bactéria F. nucleatum: “Essencialmente, derretem as células cancerígenas da cabeça e do pescoço”.
Referindo-se à investigação publicada em setembro (descrita no terceiro parágrafo), o cientista português diz que não prova que aquelas bactérias causem cancro. “Pode ser apenas uma associação, porque estas bactérias desenvolvem-se em ambientes onde há muita inflamação, e a inflamação é, por si só, um fator de risco conhecido para o cancro“.