A controversa “cobra” de quatro patas afinal é um animal diferente

Julius Csotonyi

Conceito artístico de um Tetrapodophis Amplectus, a “cobra de quatro patas”

Os cientistas descobriram um alegado fóssil de cobra de quatro patas no Brasil. O espécime, chamado Tetrapodophis Amplectus, tinha o tamanho de um lápis.

Segundo a PhysOrg, a suposta cobra possuía membros minúsculos e foi considerada uma descoberta bastante importante, que deu aos paleontólogos um contexto histórico sobre a ligação entre os lagartos e as cobras.

Os investigadores há muito que acreditam que as cobras perderam os membros através da evolução, e Robert Reisz, professor de biologia da UTM, explica que existem registos fósseis com as adaptações cranianas de uma cobra, que ainda têm restos de membros.

“Fiquei muito perturbado com este estudo científico, que saiu em revistas científicas de topo”, desabafou Reisz. O docente, juntamente com Michael Caldwell, da Universidade de Alberta, exigiu ver o fóssil pessoalmente.

“Logo após a publicação original (em 2015), conseguimos ter acesso ao espécime  e depois pudemos estudá-lo. Basicamente fizemos o nosso trabalho de detetives de forma adequada e arranjámos uma explicação alternativa muito mais plausível de que não se trata de uma cobra, mas sim de um pequeno lagarto”.

Reisz acredita que a forma como o fóssil foi obtido inicialmente não foi a melhor. Em meados do século XX, o Brasil proibiu as exportações de fósseis, mas este artefacto foi ilegalmente exportado e comprado por um colecionador privado, que permitiu que os investigadores publicassem o artigo sobre o mesmo.

Foi bastante anti-ético“, acrescenta. “Existem agora leis para proteger estes fósseis e devemos respeitá-las, em vez de sermos tentados pela atração de um fóssil que se obtém por meios pouco éticos”.

Reisz e Caldwell deslocaram-se à Alemanha para ver o fóssil, que estava guardado num museu privado da região, incluindo répteis jurássicos e dinossauros.

“Voltámos a estudá-lo, passámos alguns dias com ele, e descobrimos que as provas disponíveis eram muito melhores do que as apresentadas (pelos autores) porque, para além do fóssil real, havia também uma impressão extensa”, relata.

Reisz sublinha que ele e Caldwell obtiveram várias informações cruciais a partir da impressão do crânio do espécime.

Um fóssil forma-se entre camadas de rocha. A impressão que cria ao tornar-se pedra, juntamente com sedimentos, é extremamente valiosa devido à sua precisão.

H. Tischinger

Neste caso, a rocha de onde o fóssil foi extraído foi dividida, com o esqueleto e o crânio em lados opostos da pedra.

A forma de cada um deles foi preservada como uma impressão no lado oposto. O estudo original ignorou a impressão natural que mostrava que o crânio era “mais parecido com um lagarto do que com uma cobra”.

Reisz refere que as cobras têm um crânio extremamente móvel, no qual muitos ossos são pequenos e outros estão ligados de forma mais solta, especialmente à volta da extremidade posterior do crânio e da articulação da mandíbula. As serpentes também conseguem movimentar os ossos, para engolir presas inteiras.

Reisz e Caldwell descobriram que as alegações dos autores originais sobre a disposição dos dentes do espécime eram falsas.

O docente explica que os dentes de uma serpente são concebidos para permitir que a presa entre com uma determinada direção na boca, mas são fortemente curvados para impedir qualquer movimento lá dentro.

A forma como interpretaram o fóssil estava errada na forma como interpretaram também os dentes”, diz Reisz. “Assim, não só o crânio era mais parecido com um lagarto do que com uma cobra, como os dentes eram mais parecidos com um lagarto do que com uma cobra”.

Embora os dois investigadores tenham chegado à conclusão de que a Tetrapodophis não era uma cobra, Reisz acredita que não deixa de ser um fóssil significativo.

A equipa descobriu que a anatomia era consistente com a anatomia dos dolichosaurus — um lagarto marinho extinto do período Cretáceo.

O fóssil dá mais um exemplo da forma como os lagartos evoluíram e reduziram os seus membros para se adaptarem ao seu ambiente, explica o docente.

Reisz sublinha que a história também serve para relembrar que “a ciência é uma busca da verdade, e quanto mais nos aproximarmos da verdade, melhor”.

Queremos descobrir, e chegar o mais perto possível da verdade. Cada vez que encontramos mais um fóssil interessante, ele aproxima-nos mais disso. Descobrimos mais sobre a vida que nos precedeu”, conclui.

ZAP //

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