Um estudo recentemente divulgado no Reino Unido aponta para o aumento da vigilância no local de trabalho, tendência que alguns gestores afirmam prejudicar a confiança entre chefias e funcionários.
Um terço dos empregadores no Reino Unido está a utilizar tecnologia de “bossware” para monitorizar a atividade dos trabalhadores, sendo as práticas mais comuns a vigilância de emails e da navegação na internet.
As empresas privadas são as que mais recorrem à vigilância no local de trabalho e, segundo um inquérito realizado a nível nacional, cerca de um em cada sete empregadores está a gravar ou a rever a atividade nos ecrãs dos trabalhadores, numa estimativa da dimensão da vigilância em contexto de escritório.
Os resultados, que foram partilhados com o The Guardian pelo Chartered Management Institute (CMI), baseiam-se em respostas de centenas de gestores britânicos e sugerem que tem havido um crescimento recente da monitorização digital do trabalho.
Em 2023, menos de 1/5 dos trabalhadores acreditava estar a ser vigiado pelo empregador. O facto de cerca de 173 dos gestores afirmar que as suas organizações monitorizam a atividade online dos trabalhadores em dispositivos da empresa poderá até estar subestimado, já que uma proporção semelhante diz não saber que tipo de rastreio é feito.
Muitos destes sistemas de vigilância visam prevenir ameaças internas e proteger informação sensível, bem como detetar quebras de produtividade.
Mas a tendência parece estar a gerar desconforto. Quase metade dos gestores opõe-se à prática, considerando que mina a confiança entre chefias e funcionários e invade a privacidade pessoal, segundo o CMI.
Um gestor de uma companhia de seguros, que está a desenvolver sistemas de IA para monitorizar a atividade nos ecrãs dos trabalhadores e avaliar o seu desempenho, disse que ao The Guardian que a ideia era “inquietante”.
“Não confiam que os funcionários façam o seu trabalho e estão a pensar substituí-los por IA?”, questionou.
Uma das aplicações utilizadas para vigiar a atividade dos funcionários oferece relatórios sobre “tempo inativo”, “rastreio de produtividade”, utilização de redes sociais ou de ferramentas de IA não autorizadas, bem como “informações em tempo real sobre o comportamento dos funcionários, incluindo capturas de ecrã, gravações video de ecrã, registo de teclas e utilização de aplicações”.
Em resposta às conclusões do estudo, a ICO salientou que os empregadores “têm de informar os trabalhadores sobre a natureza, extensão e motivos da monitorização” e alertou que a vigilância excessiva “pode comprometer a privacidade, especialmente no trabalho remoto”. A entidade avisou ainda que “tomará medidas, se necessário”.
No ano passado, a ICO impediu a empresa de outsourcing Serco de usar tecnologia de reconhecimento facial e leitura de impressões digitais para controlar a assiduidade dos trabalhadores numa cadeia de centros desportivos.
Segundo o CMI, a monitorização muitas vezes resume-se a garantir que não está a ser acedido conteúdo impróprio. No entanto, a instituição alerta que “há um impacto a longo prazo quando se sente que existe um ‘Big Brother’ a vigiar”.
“Se for usada, é absolutamente crucial que os empregadores sejam transparentes, caso contrário isso vai criar sérios problemas ao nível da privacidade e da proteção de dados”, afirma Petra Wilton, diretora de políticas e assuntos externos do CMI.
Outros exemplos recentes de tecnologia de vigilância no trabalho incluem os planos do HSBC para instalar um grande número de câmaras de segurança e leitores biométricos que usam impressões da palma da mão para aceder a zonas do novo quartel-general do banco em Londres.
A consultora PwC introduziu recentemente um sistema de “semáforo” que usa dados de cartões de acesso e ligações wifi para verificar se os funcionários cumprem a exigência de ir ao escritório pelo menos três dias por semana. Um porta-voz da PwC disse que o sistema foi “aceite pela esmagadora maioria dos trabalhadores”.
Um antigo quadro de uma autoridade de transportes públicos, que pediu anonimato, descreveu a vigilância a que foi sujeito, incluindo a do seu calendário online, como “intrusiva e puro assédio”.
“Começou com vigilância e acabou comigo a sair, de tão revoltado que estava”, afirmou.
Um em cada seis gestores disse também aos investigadores do CMI que consideraria procurar outro emprego caso a sua organização começasse a monitorizar a atividade online dos trabalhadores em dispositivos da empresa.
Entre os gestores que sabiam que as suas organizações faziam vigilância, 35% afirmaram que estavam a monitorizar emails. No geral, o controlo dos horários de início e fim de sessão e do acesso aos sistemas foi a forma mais comum de vigilância.
O estudo revelou que 53% dos gestores apoiam a monitorização da atividade online dos trabalhadores em dispositivos da empresa.
No entanto, 42% dos gestores opõem-se, sobretudo por acreditarem que a prática mina a confiança, mas também porque consideram que não melhora o desempenho e pode ser mal utilizada ou levar a juízos errados e ações disciplinares injustas.