M George et al / Antiquity

O esqueleto de uma menina do cemitério de Updown, que se descobriu ter ascendência da África Ocidental
Um par de pessoas não relacionadas sepultadas em cemitérios na Grã-Bretanha do século VII provavelmente tinha avós da África Ocidental.
Uma menina de 13 anos e um jovem de 17, não relacionados e sepultadas em dois cemitérios diferentes em Inglaterra durante a Alta Idade Média, tinham avós da África Ocidental.
Como e quando os seus parentes chegaram à Grã-Bretanha é desconhecido, mas a descoberta implica que os migrantes nos tempos anglo-saxónicos vinham de muito mais longe do que se pensava anteriormente.
Depois de os romanos finalmente se retirarem da Grã-Bretanha em 410 d.C., a Grã-Bretanha foi invadida e colonizada pelos anglos, saxões e jutos germânicos.
Para investigar se as pessoas também chegaram de outros locais, Duncan Sayer, investigador da Universidade de Central Lancashire, Reino Unido, e os seus colegas analisaram ADN antigo dos ossos de pessoas sepultadas em dois cemitérios do século VII na costa sul de Inglaterra.
Os resultados do estudo foram apresentados num artigo publicado nesta quarta-feira na revista Antiquity.
Um destes cemitérios está localizado em Updown, Kent, onde foram encontrados diversos objetos comerciais de todo o mundo, incluindo potes, fivelas e broches da Gália franca, e granadas em joalharia que podem ter vindo da Índia.
As pessoas sepultadas no cemitério eram frequentemente enterradas com objetos como utensílios de cozinha, talheres ou pentes.
O outro cemitério fica em Worth Matravers, Dorset, mais a oeste. As pessoas ali sepultadas foram enterradas à maneira romano-britânica, com poucos bens funerários.
A maioria dos sepultados nos dois cemitérios, tinha, como esperado, ancestralidade do norte europeu ou britânica ocidental e irlandesa.
No entanto, uma rapariga em Updown e um jovem em Worth Matravers tinham um antepassado recente, provavelmente um avô, da África Ocidental.
Em ambos os casos, o ADN mitocondrial, que é transmitido pela mãe, era do norte europeu, mas o ADN autossómico, que vem igualmente de ambos os pais, tinha 20 a 40 % de ancestralidade semelhante à dos atuais grupos Yoruba, Mende, Mandinka e Esan da África Ocidental subsaariana.
Isto significa que o ADN da África Ocidental provavelmente vem de um avô — e é a primeira evidência de ligações genéticas entre a Grã-Bretanha e África durante a Alta Idade Média.
Ambos os jovens foram sepultados como membros típicos da comunidade. A análise de ADN também mostrou que dois parentes da “Rapariga de Updown”, que tinha cerca de 11 a 13 anos quando morreu, estão no mesmo cemitério: uma avó e uma tia.
Observando as proporções de isótopos de carbono e azoto numa amostra óssea do jovem de Worth Matravers, que tinha entre 17 e 25 anos quando morreu, mostrou o que ele tinha comido quando os ossos se estavam a formar.
“Pela sua dieta, parece que o jovem nasceu e foi criado em Inglaterra“, diz à New Scientist a antropóloga Ceiridwen Edwards, investigadora da Universidade de Huddersfield, Reino Unido, e co-autora do estudo.
Há evidências de ADN africano em York no período romano, diz Edwards. No entanto, Sayer pensa que a proporção de ADN da África Ocidental nos jovens nos cemitérios seria muito menor se fossem descendentes de pessoas dos tempos do domínio romano.
“Isto é um avô, por isso definitivamente não se trata de militares ou administradores romanos sobreviventes, que estavam várias centenas de anos no passado”, diz ele.
Também não há evidências que possam sugerir que estas pessoas fossem escravas, diz Duncan Sayer: “Estes dois indivíduos foram sepultados como membros de pleno direito da sua comunidade.”
Em vez disso, sugere Sayer, tem a ver com o comércio e o movimento de bens e pessoas. Em algum momento, pessoas da África Ocidental vieram para a Grã-Bretanha, talvez num navio comercial, e ficaram.
Sayer pensa que a sua chegada pode ter estado ligada à reconquista do Norte de África pelo Império Bizantino, também conhecido como Império Romano do Oriente, no século VI.
Essa ação militar foi tomada para obter acesso ao ouro da África subsaariana. “A reabertura deste canal está a ter lugar numa altura que corresponderia muito com os avós destas duas pessoas”, acrescenta o autor principal do estudo.
“O estudo exemplifica quão dinâmicos foram os períodos pós-Romano Ocidental e medieval inicial na Grã-Bretanha”, diz à New Scientist a bióloga evolucionista portuguesa Marina Soares da Silva, investigadora do Instituto Francis Crick em Londres, que não esteve envolvida no estudo.
“Os autores propõem rotas comerciais facilitadas pelo domínio do Império Bizantino no Norte de África, e penso que isso é uma possibilidade válida”, acrescenta a antiga investigadora do IPATIMUP.
A Inglaterra do século VII certamente não era uma coleção de comunidades pequenas, rurais e isoladas da “idade das trevas”, diz Duncan Sayer. “Estas são comunidades dinâmicas com artefactos a serem comercializados, e fluxo genético a ter lugar, desde a África Ocidental e além”.