Foram ao Ártico em busca de neve. Encontraram chuva e flores

Paaver / Wikipedia

Excursão de estudantes nas montanhas de Svalbard,

O que antes era um inverno ártico previsivelmente gelado está agora chocantemente irreconhecível. Estar de pé em poças de água junto ao terminus do glaciar, ou na tundra nua e verde, é chocante e surreal, diz uma equipa de cientistas que visitou Svalbard.

Em fevereiro deste ano, uma equipa científica liderada por James Bradley, professor de Ciências Ambientais na Queen Mary University of London, deslocou-se ao arquipélago norueguês de Svalbard, onde esperava estudar neve fresca recém-caída.

Mas o que a equipa de investigadores encontrou foi chuva, tundra a descoberto, vegetação em flor e lagos de água derretida.

As suas roupas pesadas para tempo frio revelaram-se desnecessárias, quando as temperaturas subiram acima do ponto de congelação — expondo a nova realidade do inverno ártico.

Num artigo recentemente publicado na Nature Communications, a equipa de investigadores destaca a alarmante transformação que se desenrola no inverno ártico.

Svalbard, o arquipélago onde é proibido nascer, morrer e ter gatos, está a aquecer a um ritmo seis a sete vezes superior à média global, e os seus invernos estão a mudar ainda mais rapidamente, com temperaturas sazonais a subir quase duas vezes mais depressa que a média anual.

Segundo os investigadores, estas mudanças dramáticas já não são anomalias raras, mas estão a tornar-se parte integrante da evolução climática ártica, deitando abaixo a expectativa há muito estabelecida de que os invernos na região permaneceriam gelados e previsíveis.

“Estar de pé em poças de água junto ao terminus do glaciar, ou na tundra nua e verde, foi chocante e surreal”, conta Bradley. “A espessa camada de neve que cobria a paisagem desapareceu em poucos dias. O equipamento que trouxe parecia uma relíquia de outro clima”.

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James Bradley

A equipa, que esperava frio extremo, tinha-se preparado com roupas térmicas, várias camadas isolantes e luvas grossas. Em vez disso, acabaram por trabalhar no glaciar à chuva, com as mãos descobertas.

“O objetivo da nossa campanha de trabalho de campo era estudar neve recém-caída. Mas durante duas semanas, só conseguimos recolher neve fresca uma única vez, porque a maior parte da precipitação caiu sob a forma de chuva“, explica Laura Molares Moncayo, doutoranda na Queen Mary e no Natural History Museum e coautora do estudo, num comunicado da universidade publicado no Science Daily.

“Esta ausência de queda de neve a meio do inverno compromete a nossa capacidade de estabelecer uma linha de base representativa para os processos da estação fria. O degelo inesperado não só perturbou o nosso plano de amostragem, como também nos fez questionar até que ponto é seguro ou viável realizar trabalho de campo no inverno sob condições de mudança tão rápida”, conclui.

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Laura Molares Moncayo

O cenário inesperado encontrado em Svalbard pela expedição corrobora projeções há muito tempo estabelecidas sobre a amplificação ártica, mas também sublinha a velocidade alarmante a que estas mudanças estão a ocorrer.

A ultrapassagem do limiar de fusão dos 0°C tem um impacto transformador no ambiente físico, na dinâmica dos ecossistemas locais e na própria metodologia de conduzir investigação científica no Ártico durante o inverno.

As implicações destas rápidas mudanças invernais para o ecossistema ártico são de grande alcance. Os episódios de aquecimento invernal podem perturbar tudo, desde o ciclo do carbono microbiano até à sobrevivência da fauna ártica.

Estes eventos podem também criar um ciclo de retroação, acelerando o degelo do permafrost, a degradação microbiana do carbono e a libertação de gases com efeito de estufa por todo o Ártico.

A acumulação observada de água de degelo sobre o solo gelado, formando vastos lagos temporários e reduzindo a cobertura de neve a zero em grandes áreas, expõe ainda mais a superfície do solo nu e conduz a florescimentos generalizados de atividade biológica.

As condições inesperadas durante o trabalho de campo, incluindo a neve fina e lamacenta que dificultou o acesso de motas de neve aos locais de estudo, forçaram os investigadores a reconsiderar como, e até se podem, continuar a fazer ciência de inverno — como até agora acontecia.

ZAP //

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