De ponto turístico a ponto de rutura: o turismo levou Barcelona ao limite e os catalães estão a reagir em força.
No último fim-de-semana, centenas de ativistas manifestaram-se pelas ruas de Barcelona em protesto contra o turismo de massas na cidade. Gritava-se, para os turistas que os filmavam, “voltem para casa!” e “estão a matar Barcelona!”.
Casais perplexos, sentados nos cafés pelas ruas da cidade, receberam esguichos de pistolas de água – num gesto que tem sido hábito nos últimos tempos.
Em abril de 2024, perto da Sagrada Família, em Barcelona, um autocarro turístico foi bloqueado, atingido com pistolas de água, e na sua parte frontal foi posta uma faixa a dizer “vamos apagar o fogo do turismo”.
Foi um protesto que chamou as atenções contra o domínio sufocante do turismo sobre a cidade, sublinhando as tensões crescentes entre os processos de turistificação e uma reação local cada vez mais vocal.
Barcelona tornou-se sinónimo de resistência social contra os impactos negativos do turismo predatório e extrativo, mas não está sozinha: destinos populares como as Ilhas Canárias, Málaga e as Ilhas Baleares também registaram protestos massivos contra os excessos do turismo no último ano.
As pessoas estão fartas, e a mensagem está literalmente escrita nas paredes — apartamentos turísticos grafitados com o slogan “turistas vão para casa” tornaram-se uma imagem quase omnipresente em muitas cidades espanholas.
No entanto, os turistas não são os culpados, mas sim a dependência excessiva do turismo, que ao longo de várias décadas foi expulsando inúmeros residentes das suas casas e bairros.
À medida que as viagens internacionais recuperaram após os confinamentos da COVID-19, Barcelona e outras cidades mediterrânicas viram os turistas regressar em números notáveis. Isto levou a uma agitação social crescente, à medida que as comunidades locais se sentiam cada vez mais frustradas com a forma como o turismo remodelou os espaços urbanos em seu prejuízo.
As preocupações dos residentes vão desde a escassez de habitação e a insegurança laboral até aos danos ambientais.
A privatização do espaço público também é uma questão importante em Barcelona, agravada por eventos de grande visibilidade como o Grande Prémio de Fórmula 1, que traz poucos benefícios para os residentes locais.
Ativismo em evolução
O ativismo anti-turismo em Barcelona remonta a meados da década de 2010, quando bairros como a Barceloneta começaram a desafiar o papel do turismo no deslocamento de residentes. Desde então, grupos como a Assembleia de Bairro pelo Decrescimento Turístico (ABDT) têm-se oposto às políticas que fomentam a dependência excessiva da economia turística.
A ABDT prefere notoriamente o termo “turistificação” a “sobreturismo”.
Segundo o grupo, o conceito de “sobreturismo” corre o risco de despolitizar a questão, apresentando-a como um simples problema de demasiados visitantes. Em vez disso, dizem, os problemas são resultado das desigualdades estruturais ligadas à acumulação capitalista, à natureza extrativa do turismo e a um sector que canaliza a riqueza comunitária para mãos privadas.
O que distingue esta vaga atual de ativismo das anteriores é a transição de uma oposição frontal para propostas organizadas e construtivas.
Numa grande manifestação em Barcelona em julho de 2024, ativistas apresentaram um manifesto com medidas concretas para reduzir a dependência económica do turismo e promover uma transição para uma economia eco-social.
As exigências principais incluíam:
- o fim dos subsídios públicos à promoção turística;
- a regulação dos arrendamentos de curta duração para evitar a perda de habitação;
- a redução do tráfego de navios de cruzeiro;
- e a melhoria das condições laborais com salários justos e horários de trabalho estáveis.
O manifesto também apelava à diversificação da economia além do turismo, à reconversão de infraestruturas turísticas para uso social e ao desenvolvimento de programas de apoio a trabalhadores precários.
Grupos marginalizados são os mais afetados
O ativismo anti-turismo é frequentemente desvalorizado por quem tem interesses no sector, sendo rotulado como “turismofobia” ou “NIMBYismo” — um desejo de proteger a sua própria zona de desenvolvimentos indesejados (derivado da sigla em inglês “not in my back yard”, que em português significa “não no meu quintal”).
Estas etiquetas ignoram o facto de que as economias centradas no turismo afetam sobretudo os grupos marginalizados com pouco poder político, como inquilinos, migrantes, trabalhadores sazonais precários e jovens sem representação.
Os movimentos sociais nas cidades mediterrânicas interiorizaram esta realidade, alargando o ativismo anti-turismo para abordar também a inação governamental face à crise da habitação, aos direitos laborais, à cação climática e à defesa do espaço público.
Estes movimentos enfrentam os desafios complexos e interligados da turistificação, incluindo a divisão social do trabalho, desigualdades de género e a concentração de capital. São, sobretudo, prova viva de que muitos residentes querem dar prioridade ao bem-estar da comunidade em vez do crescimento económico.
Tanto os decisores políticos como os académicos estão aquém no que toca a dar resposta às preocupações dos manifestantes.
As políticas atuais visam sobretudo gerir os visitantes ou os transportes, em vez de travar o crescimento do turismo ou abordar os desequilíbrios de poder. Esta abordagem limitada falha em resolver as causas profundas do problema e apenas perpetua as desigualdades.
Para além das transformações urbanas, a dependência do turismo em relação ao trabalho precário é uma questão premente. Muitos empregos no sector são mal pagos, instáveis e altamente sazonais.
Em vez de ver os protestos como incómodos pontuais ou de causa única, devemos entendê-los como parte de lutas mais amplas por justiça social.
Repensar o turismo urbano significa reimaginar as cidades como espaços onde os residentes possam prosperar, e não apenas sobreviver. Para isso, é necessário enfrentar as desigualdades profundas que estão no centro dos processos de turistificação.
ZAP // The Conversation