Há uma cordilheira enorme escondida sob a Antártida. Está congelada no tempo

Por baixo do gelo da Antártida, existem as Montanhas Subglaciares de Gamburtsev, que nasceram há mais de 500 milhões de anos, quando o supercontinente Gondwana se formou.

Já alguma vez imaginou o aspeto da Antártida por baixo do seu espesso manto de gelo? Escondidas por baixo estão montanhas escarpadas, vales, colinas e planícies.
Alguns picos, como as imponentes Montanhas Transantárticas, erguem-se acima do gelo. Mas outros, como as misteriosas e antigas Montanhas Subglaciares de Gamburtsev, no meio da Antártida Oriental, estão completamente enterrados.

As montanhas Gamburtsev são semelhantes em escala e forma aos Alpes europeus. Mas não podemos vê-las porque os altos picos alpinos e os profundos vales glaciares estão sepultados debaixo de quilómetros de gelo.

Como é que elas surgiram? Normalmente, uma cadeia montanhosa ergue-se em locais onde duas placas tectónicas colidem uma com a outra. Mas a Antártida Oriental tem estado tectonicamente estável durante milhões de anos.

Um novo estudo, publicado na revista Earth and Planetary Science Letters, revela como esta cadeia de montanhas escondida surgiu há mais de 500 milhões de anos, quando o supercontinente Gondwana se formou a partir da colisão de placas tectónicas.

As descobertas oferecem uma nova perspetiva sobre a forma como as montanhas e os continentes evoluem ao longo do tempo geológico. Ajudam também a explicar porque é que o interior da Antártida se manteve notavelmente estável durante centenas de milhões de anos.

Um segredo enterrado

As montanhas Gamburtsev estão enterradas sob o ponto mais alto do manto de gelo da Antártida Oriental. Foram descobertas pela primeira vez por uma expedição soviética que utilizou técnicas sísmicas em 1958.

Como a cadeia montanhosa está completamente coberta de gelo, é uma das caraterísticas tectónicas menos conhecidas da Terra. Para os cientistas, é profundamente intrigante. Como é que uma cadeia montanhosa tão grande se pode formar e ainda estar preservada no coração de um continente antigo e estável?

A maior parte das grandes cadeias montanhosas são o local de colisões tectónicas. Por exemplo, os Himalaias ainda hoje se erguem à medida que as placas indiana e euro-asiática continuam a convergir, um processo que começou há cerca de 50 milhões de anos.

Os modelos de tectónica de placas sugerem que a crosta que forma atualmente a Antártida Oriental provém de pelo menos dois grandes continentes, há mais de 700 milhões de anos. Estes continentes costumavam estar separados por uma vasta bacia oceânica.

A colisão destas massas de terra foi fundamental para o nascimento de Gondwana, um supercontinente que incluía o que é hoje a África, a América do Sul, a Austrália, a Índia e a Antárctida.

O novo estudo apoia a ideia de que as montanhas de Gamburtsev se formaram durante esta antiga colisão. O colossal choque de continentes desencadeou o fluxo de rocha quente e parcialmente derretida nas profundezas das montanhas.

À medida que a crosta foi engrossando e aquecendo durante a formação das montanhas, acabou por se tornar instável e começou a colapsar sob o seu próprio peso.

Nas profundezas da superfície, as rochas quentes começaram a fluir para os lados, como pasta de dentes espremida de um tubo, num processo conhecido como espalhamento gravitacional. Isto fez com que as montanhas se desmoronassem parcialmente, preservando, no entanto, uma espessa “raiz” da crosta, que se estende até ao manto terrestre.

Cápsulas de tempo de cristal

Para determinar o momento desta dramática ascensão e queda, os autores analisaram minúsculos grãos de zircão encontrados em arenitos depositados por rios que corriam das antigas montanhas há mais de 250 milhões de anos. Estes arenitos foram recuperados das montanhas Prince Charles, que se destacam do gelo a centenas de quilómetros de distância.

Os zircões são frequentemente designados por “cápsulas do tempo” porque contêm quantidades minúsculas de urânio na sua estrutura cristalina, que se decompõe a um ritmo conhecido e permite aos cientistas determinar a sua idade com grande precisão.

Estes grãos de zircão preservam um registo da cronologia da construção das montanhas: as Montanhas Gamburtsev começaram a erguer-se há cerca de 650 milhões de anos, atingiram as alturas dos Himalaias há 580 milhões de anos e passaram por uma profunda fusão e fluxo da crosta que terminou há cerca de 500 milhões de anos.

A maioria das cadeias montanhosas formadas por colisões continentais acabam por ser desgastadas pela erosão ou remodeladas por eventos tectónicos posteriores. Devido ao facto de terem sido preservadas por uma camada profunda de gelo, as Montanhas Subglaciares de Gamburtsev são uma das mais bem preservadas cadeias de montanhas antigas da Terra.

Embora atualmente seja muito difícil e dispendioso perfurar o gelo espesso para recolher amostras diretas das montanhas, o modelo oferece novas previsões para orientar futuras explorações.

Por exemplo, trabalhos de campo recentes perto do Glaciar Denman, na costa leste da Antárctida, revelaram rochas que podem estar relacionadas com estas montanhas antigas. Uma análise mais aprofundada destas amostras de rocha ajudará a reconstruir a arquitetura oculta da Antárctida Oriental.

A Antártida continua a ser um continente cheio de surpresas geológicas, e os segredos enterrados sob o seu gelo estão apenas a começar a ser revelados.

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