Robert D. Loss / Curtin University / US Dept. of Energy

Mina de urânio de Oklo, Gabão
O urânio extraído da região de Oklo, no Gabão, continha uma percentagem demasiado baixa do cobiçado isótopo 235. Alguém teria adulterado o urânio? Seria este um artefacto de uma civilização antiga e desconhecida? Ou, talvez, algo ainda mais estranho: o urânio tinha simplesmente sofrido fissão?
“Isto não é possível”.
Esta foi a primeira ideia que passou pela mente do físico Francis Perrin em maio de 1972, quando examinava um pedaço escuro de minério de urânio numa central de processamento de combustível nuclear no sul de França.
A amostra de urânio, extraída de uma mina no Gabão, África, continha um segredo que desafiava tudo o que os cientistas sabiam sobre o urânio natural.
Normalmente, o urânio existe numa proporção consistente de isótopos: urânio-238, urânio-234 e o cobiçado urânio-235, o principal combustível usado em reatores nucleares civis para produzir eletricidade.
Este isótopo é físsil, ou seja, pode sofrer fissão nuclear: o seu núcleo pode ser dividido em dois núcleos menores quando bombardeado por um neutrão, libertando uma grande quantidade de energia — e mais neutrões.
Em toda a crosta terrestre, a proporção de urânio-235 mantém-se estável em 0,720%. No entanto, a amostra do Gabão analisada por Perrin continha apenas 0,717% do isótopo 235.
Era um desvio minúsculo — mas o suficiente para levantar questões e acionar alarmes. A explicação mais simples seria que o urânio tinha sofrido fissão. Mas como poderia ser isso, uma vez que esta era uma amostra natural?
Alguém teria adulterado o urânio? Seria este um artefacto de uma civilização antiga e desconhecida? Ou, talvez, algo ainda mais estranho?
Fissão na natureza
Quanto mais os cientistas investigavam, mais estranho o caso se tornava, conta a ZME Science. Em algumas amostras de urânio da região de Oklo, no Gabão, a proporção de urânio-235 era ainda mais baixa, chegando a 0,4%.
Isto tinha que ser mais do que um acaso estatístico — significava que algo profundo tinha alterado o minério. Análises posteriores revelaram que o urânio tinha realmente sofrido fissão, o mesmo processo utilizado nos reatores nucleares.
As evidências apontavam para um evento que ocorreu há dois mil milhões de anos, mas esta fissão não era resultado de interferência humana, nem de uma qualquer espécie alienígena que tivesse na altura visitado a Terra.
De repente, o impensável tornou-se claro. Após a sua análise, Perrin e colegas confirmaram que a amostra natural tinha sofrido fissão quando a Terra ainda era um planeta jovem: a natureza tinha criado o seu próprio reator nuclear.
Os reatores de fissão nuclear artificiais funcionam controlando cuidadosamente uma reação em cadeia onde os átomos de urânio-235 são divididos por neutrões, libertando energia e mais neutrões, que continuam a dividir átomos adicionais.
Para sustentar esta reação, é necessário urânio enriquecido — onde a concentração de urânio-235 é aumentada. A criação de tais reatores requer tecnologia avançada, engenharia precisa e protocolos de segurança rigorosos. Não é algo que se esperaria encontrar naturalmente.
No entanto, em Oklo, há milhares de milhões de anos, a natureza proporcionou espontaneamente a combinação certa de concentração de urânio, água e estabilidade geológica para sustentar uma reação de fissão controlada.
Como formar um reator natural
Em 1956, um químico chamado Paul K. Kuroda previu que, sob as circunstâncias certas, reatores de fissão naturais poderiam formar-se.
O seu trabalho recebeu alguma atenção, mas não foi um sucesso instantâneo, já que as condições pareciam muito improváveis, e poucas pessoas (se alguma) realmente esperavam encontrar algo assim.
Kuroda estimou que o depósito de urânio precisa de ter pelo menos 66 centímetros para sustentar uma reação de fissão nuclear natural. Se o depósito for menor que isso, não consegue atingir a massa crítica. Depois, é necessário ter urânio-235 suficiente no depósito.
Há dois mil milhões de anos, o urânio-235 era muito mais abundante do que é hoje. Naquela época, constituía cerca de 3% do urânio natural — uma percentagem semelhante à do urânio enriquecido usado nos reatores nucleares modernos.
Tal como nos reatores, o processo precisava de um moderador para abrandar os neutrões e tornar a fissão mais provável. Em Oklo, foi a água subterrânea a desempenhar esse papel crucial. A água abrandava os neutrões, facilitando uma reação em cadeia sustentada.
“Como num reator nuclear de água leve artificial, as reações de fissão, sem nada para abrandar os neutrões, para os moderar, simplesmente param“, disse Peter Woods, líder de equipa responsável pela produção de urânio na Associação Internacional de Energia Atómica. “A água atuou em Oklo como moderador, absorvendo os neutrões, controlando a reação em cadeia.”
Era também necessário que elementos como o boro ou lítio, que absorvem neutrões e interrompem a fissão, estivessem ausentes. Oklo não tinha estas “contaminantes”, o que permitia que a reação continuasse. Quando estas condições se alinharam perfeitamente, o resultado foi um reator nuclear natural.
O antigo reator de Oklo não funcionava continuamente. Depois de datar as rochas e analisar a atividade passada das amostras, os investigadores descobriram que o reator de Oklo operava em ciclos.
À medida que a água subterrânea se infiltrava nos depósitos de urânio, moderava os neutrões, permitindo que ocorresse a fissão. A reação aquecia a água, que acabava por evaporar como vapor. Sem a água para moderar os neutrões, a reação parava.
Depois de a área arrefecer, e de mais água subterrânea se infiltrar, a reação começava novamente. Este ciclo repetiu-se durante centenas de milhares de anos.
Um estudo sobre o reator de Oklo, conduzido em 1976 por George A. Cowan, investigador da Universidade da Califórnia, concluiu que, durante um período de várias centenas de milhares de anos, o urânio de Okla produziu aproximadamente 15.000 megawatt-anos de energia de fissão — o equivalente ao funcionamento de um grande reator de 1.500 MW durante dez anos.”
Atualmente, as minas de urânio de Oklo estão esgotadas, mas o legado dos únicos reatores nucleares naturais conhecidos do mundo continua. Há amostras dos reatores de Oklo preservadas em museus, como o Museu de História Natural de Viena, onde os visitantes podem ver rochas produzidas pelo reator de fissão natural.
É possível que haja outros reatores naturais — simplesmente ainda não os encontrámos. Enquanto isso, a humanidade está a concentrar-se nos seus próprios reatores de fissão.