Uma experiência familiar mais diversa, menos previsível. As (muitas) diferenças entre os conceitos antigo e actual de família.
Em 1970 cada casa tinha em média 3,7 pessoas; em 2021 passaram a ser apenas 2,5 pessoas. As famílias com 5 ou mais pessoas eram 29% do total, passaram a ser 6%. As famílias de uma só pessoa eram 10%, agora são 25% – a maioria mulheres.
Antes do 25 de Abril, Portugal era um país com famílias de muitos filhos e com uma hierarquia de autoridade rígida – do marido face à mulher, dos pais face aos filhos.
Mas essa, e outras imagens, ficaram no passado. Susana Atalaia, socióloga, avisa que aquela ideia de família rural, de pai, mãe e filhos a trabalharem na terra, “deixou de existir completamente”. Passou a haver uma “nuclearização da família”.
No documentário E depois da revolução: somos famílias diferentes? – da Fundação Francisco Manuel dos Santos – o psicólogo Jorge Gato sublinha que agora há novas formas de família: “A regra é a diversidade. Há a família clássica, mas também recomposta, adoptivas, homoparentais…”
Susana Atalaia apresenta outro ponto essencial: o conceito de espaço e tempo era muito mais limitado; as pessoas estavam isoladas geograficamente e viviam a sua vida como viam que os outros a tinham vivido. Num mundo globalizado, esse esquema acabou.
Além disso, e apesar de tantas queixas sobre os preços das casas, agora há uma maior autonomia residencial porque as pessoas têm um ordenado. Mesmo que não tenham uma companheira ou um companheiro, escolhem viver sozinhas, na sua casa.
Também passou a haver controlo da fecundidade: contraceptivos, consultas de planeamento familiar.
Duarte Vilar, sociólogo, reforça: “Deixo de estar sujeito ao calendário biológico, agora posso controlar – sem aborto – o ritmo de nascimentos. Algumas mulheres tinham passado por mais de 20 abortos. Clandestinos. Todos clandestinos”.
Mas houve sobretudo uma mudança social e cultural – a mulher passou a ser mais independente. Mulheres a trabalhar fora de casa (e a receber por isso), aumento da escolaridade feminina, a Igreja deixou de ser importante nas decisões familiares, sobretudo das mulheres.
Dois exemplos da emancipação feminina, do poder das mulheres: em 1960, 72% das mulheres nem a escola primária tinham completado; agora são apenas 7%; na altura, as mulheres no ensino superior eram… 0,3% – mas agora são 22%.
Os casamentos católicos caíram de forma considerável: eram 86% pouco antes do 25 de Abril e passaram a ser apenas 28%.
Isso levou a que muitos casais tenham filhos sem estarem casados, o que seria quase impensável antes de 1974. Nesse capítulo, 2015 foi importante: nesse ano, o número de bebés nascidos de pessoas não casadas ultrapassou o dos que nasceram dentro do casamento. Mais uniões de facto, uma sociedade menos influenciada pela doutrina da Igreja Católica.
Isso também mexeu com o divórcio – que tinha sido legalizado em 1910 mas proibido durante o Estado Novo. Voltou a ser legal em 1975, embora esse processo continue a encontrar obstáculos e a originar muitas hesitações, mesmo entre as pessoas envolvidas.
Com o aumento do número de divórcios, há mais famílias monoparentais, recompostas ou homoparentais.
No fundo, Portugal vive hoje uma experiência familiar mais diversa, menos previsível.