“Mai pen rai”. A filosofia que faz da Tailândia uma mente aberta a (quase) tudo

Tudo vai bem no “país dos sorrisos”. Direitos LGBTQ+, tolerância religiosa, hospitalidade extraordinária… ou será que não?

“Mai pen rai” é um mote nacional na Tailândia, uma filosofia adotada social e politicamente. Significa “não te preocupes”, “deixa estar”, “nada de especial”, ou algo no meio disso tudo — a expressão não tem tradução direta para português, mas é semelhante ao clássico “no pasa nada” espanhol.

É utilizado também ao estilo inglês, como quem diz “no problem” ou “you’re welcome” (“de nada”) depois de ajudar alguém. No fundo, “não há stress”, como é também mote em Cabo Verde.

Já em Portugal, talvez por existir sempre algum stress, não se usa tanto, mas há também uma naturalidade em ajudar o outro. “Mai pen rai” é, portanto, e à falta de melhor tradução, uma espécie de “sem problema, amigo, o que precisar disponha”.

E os tailandeses gostam tanto desse mote que têm aplicado politicamente aquilo que são por excelência: tolerantes. Bem, pelo menos para algumas coisas.

No que respeita aos direitos das pessoas LGBTQ+, por exemplo, são “um paraíso”, como descreve a BBC. É claro que foi uma grande luta, ou negociação como referem chamar-lhe. “Não lutámos, negociámos“, diz um membro da comunidade, Tinnaphop Sinsomboonthong. “Sabíamos que tínhamos de falar com a sociedade tailandesa e, pouco a pouco, fomos mudando as atitudes”.

A primeira marcha de “Orgulho LGBTQ+” na Tailândia teve lugar há apenas 25 anos, mas hoje o país já aceita o casamento entre o pessoas do mesmo género — tornou-se dos poucos países asiáticos que o permite.

A BBC aponta que a comunidade escolheu o momento político pertinente para apelar à mudança, e isso jogou em seu favor. De facto, nas eleições de 2023, o partido que obteve mais votos no país foi o progressista “Move Forward”, que defende esta causa. No entanto, uma coligação conservadora impediu o partido de formar governo, mas foi durante a campanha eleitoral que se deu mais visualização à causa.

Os tailandeses são, de facto, a personificação do pacifismo, têm essa imagem de marca, talvez devido ao facto de 90% da sua população ser budista, religião considerada, por norma, bastante tolerante.

“Os tailandeses são conhecidos pela sua calorosa hospitalidade e pelos seus sorrisos genuínos, que refletem uma perspetiva positiva da vida. Isto deve-se a uma forte ênfase na harmonia social e respeito mútuo“, escreve o site de viagens Wold Packers. É o “país dos sorrisos” por excelência.

Será mesmo assim?

Os dados do Índice de Liberdade posicionam a Tailândia mais para o meio do ranking mundial (com um índice de 6.7/10), que avalia 163 países.

Mas, quando comparado com os países vizinhos (Myanmar, com partilha uma grande fronteira, é o quarto país com menos liberdade do mundo), está bastante bem classificada, só ultrapassada pela Mongólia, Coreia do Sul, Taiwan e Japão. Mas, claro, pode-se sempre argumentar que um povo livre e um povo tolerante são coisas bem diferentes.

Será a Tailândia o “paraíso” do pacifismo? Ou será que se esconde alguma coisa por trás desta fachada?

A nação tailandesa parece longe do pacifismo. Com a aliança conservadora que “bloqueia” o partido progressista, o clima político é instável desde o ano passado, o que levou milhares de tailandeses para as ruas a contestarem a situação politico-social.

A Human Rights Watch documentou também nos últimos anos numerosos casos relacionados com operações de contra-insurreição nas províncias fronteiriças do sul da Tailândia, nomeadamente em que a polícia e o pessoal militar torturaram muçulmanos de etnia malaia.

Para além disso, em fevereiro de 2021, o Governo aprovou, em princípio, o projeto de lei que atribui às autoridades um amplo poder para recusar arbitrariamente o registo de organizações não governamentais (ONG) e sujeitá-las a acusações criminais.

Uigurs e uma Tailândia “entalada” entre os EUA e a China

Esta terça feira, a Tailândia voltou a merecer o foco mediático ao ameaçar deportar 48 homens de etnia uigur, detidos em Banguecoque desde 2014, para a CHina, onde a ONU garante, segundo a CNN, que correm “risco real de tortura ou de outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes se os homens forem repatriados”.

A China tem já um grande historial de perseguição contra o povo uigur, e estes homens detidos na Tailândia encontram-se, de momento, “em condições de risco de vida”, sem acesso a advogados, familiares ou representantes da ONU”, garante a Human Rights Watch.

Desde o início do ano, estes prisioneiros relataram ter ouvido cada vez mais ameaças de deportação por parte dos funcionários do centro de detenção de migrantes.

De acordo com o Ministério dos Negócios Estrangeiros Chinês, “o assunto envolve a cooperação judicial entre dois Estados soberanos”.

No entanto, mesmo que a Tailândia tenha plano de engajamento com a perseguição étnica chinesa, estava a esquecer-se de um fator, de que a nova administração de Trump já se encarregou de a relembrar: tem também uma aliança politico-económica com os EUA, que se opõem fortemente a esta perseguição.

Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, relembrou o país de que “a Tailândia é, de facto, um parceiro muito forte dos EUA e um forte aliado histórico“, pelo que “esta é uma área em que penso que a diplomacia poderia realmente alcançar resultados devido à importância e proximidade dessa relação”.

Entretanto, a Tailândia já negou os planos de deportação dos prisioneiros para a China.

Ainda assim, nem tudo no “país dos sorrisos” despoleta gargalhadas, e, por trás da bandeira de paz, podem estar outros rostos, bem menos sorridentes.

Carolina Bastos Pereira, ZAP //

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.