Descoberto o livro mais antigo da Europa — com dados nunca vistos sobre religião e filosofia

Queimado pelas chamas de uma pira funerária, o Papiro de Derveni provou ser um artefacto fascinante – e confuso.

Quando, a 15 de janeiro de 1962, arqueólogos gregos estavam a escavar o túmulo de um nobre macedónio, perto de Salónica, quando descobriram algo “incrível”. Entre as cinzas de uma pira funerária envolto em lama queimada, estava um rolo de papiro — o primeiro a ser encontrado na Grécia continental.

Segundo o Smithsonian, a datação do documento e a descoberta do seu caráter literário levaram posteriormente a UNESCO a declará-lo o livro mais antigo da Europa.

O Papiro de Derveni, cujo nome se deve ao local onde foi encontrado, terá sido encontrado entre 340 e 320 A.E.C. No manuscrito que copia, que terá sido escrito perto do final do século V A.E.C., o autor discute práticas religiosas relacionadas com o destino da alma após a morte e apresenta um Tratado sobre um poema atribuído a Orfeu, o poeta herói e músico da mitologia grega.

Richard Janko, um classista da Universidade de Michigan, chamou ao papiro “a mais importante nova prova sobre a filosofia e a religião gregas que veio à luz desde o Renascimento”. Mas, acrescenta, “é também o mais difícil de compreender e todo o trabalho sobre ele é inevitavelmente um trabalho em curso”.

Isto deve-se em grande parte ao facto de o fogo que preservou o papiro — salvando-o da deterioração normalmente causada pela humidade do solo grego — também o ter destruído.

“Havia pedaços que estavam completamente enegrecidos e ninguém conseguia perceber se havia letras”, disse Polyxeni Adam-Veleni, então diretora do Museu Arqueológico de Salónica, que alberga o papiro.

Quando os investigadores abriram cuidadosamente o pergaminho, recolheram cerca de 266 fragmentos. No final, juntaram os fragmentos em 26 colunas de texto sobreviventes, todas com as suas metades inferiores queimadas.

Uma versão relativamente completa do texto só viria a ser publicada quase 50 anos mais tarde.

Os estudiosos discordam quanto ao potencial autor da obra, mas o autor misterioso parece ter sido um seguidor do filósofo Anaxágoras. O público do livro parece ser os futuros iniciados religiosos do Orfismo, o culto que seguia os ensinamentos de Orfeu.

Embora muitas das suas práticas permaneçam desconhecidas, acredita-se que os órficos eram monoteístas. Abstinham-se de comer carne e centravam-se na pureza, refletindo os ensinamentos de Anaxágoras de que a alma sobrevive após a morete e só os puros serão salvos.

Os paralelismo do orfismo com o cristianismo fazem do papiro uma janela especialmente interessante para as práticas espirituais que surgiram na região nessa altura.

Para além dos conhecimentos religiosos que o papiro oferece, a interpretação que o autor faz de um poema órfico, agora perdido, revela informações sobre o pensamento filosófico grego da época.

No tratado, o autor escreve que o poema, que diz respeito ao nascimentos dos deus, deve ser tomado como uma alegoria e não literalmente. O argumento do autor anónimo inclui referências que mostram como vários filósofos gregos entendiam o mundo físico.

À medida que a tecnologia melhora e permite uma melhor leitura do manuscrito, os estudiosos continuam a debater o conteúdo do documento e a forma como os fragmentos devem ser reunidos, na esperança de obter ainda mais informações sobre a religião e a filosofia helénicas da época.

Teresa Oliveira Campos, ZAP //

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